
Em Beijing, capital da China, nos hospedamos em um hostel localizado em área residencial não turística, a poucas quadras da Cidade Proibida.
Para jantar idealizamos ir a restaurantes chineses de verdade, que servem à gente local com poder aquisitivo. Isso nas duas primeiras noites.
O tour de force do cardápio desses lugares é frango escalpelado inteiro, com aparência avermelhada e brilhante.
Porco, bastante carne de porco, e peixes. Esses o cliente pode pescar entre as variedades orientais expostas à vista do freguês, nadando em aquários de água doce.
Sentamos em mesa cercada por dezenas de frequentadores usuais, em outras mesas. Observamos: em geral comiam levando os nacos de carnes à boca diretamente com as próprias mãos. Gulosamente.
E assim, enquanto engolem, não raro regurgitam o alimento a seu lado.
De repente, os vizinhos de mesa viram-se nas cadeiras, com a cabeça por sobre os ombros, e soltam cusparadas ali mesmo. Diretamente ao chão do restaurante.

Nada discreto. As cusparadas são antecedidas de todo um preparo anterior, vindas das entranhas da alma do esôfago.
De onde brota um som característico de catarro acumulado dentro do aparelho digestivo e do pulmão (chineses fumam muito).
Depois do peito inchado, passando pela boca cheia de mucosa, os comensais lançam ao ar a cusparada forte e satisfeita.
Por pouco o catarro não respinga nos pés dos vizinhos de mesa. Se é que não.
Continuam, a seguir, seu repasto. E assim continuadamente, vão soltando cusparadas generosas no chão, entre uma abocanhada de peixes e espinha, ossos de porco e de frango.
Anos antes alguém já havia dito-me sobre essa tradição cultural chinesa. Cuspir à vontade o tempo todo, onde estiver. Multiplique por 1 bilhão e 300 milhões de bocas!
Confirmamos o hábito na viagem de trem de Beijing a Xi´an, a antiga capital das primeiras dinastias do império do centro.
Por cerca de 20 horas em cada trajeto de ida e volta – pernoitando em cabine ou em poltrona da classe comum -, no trajeto algumas centenas de mulheres, homens e crianças, viajando em grupo de famílias, não há vagão restaurante.
Quem pode carrega consigo baldes de macarrão instantâneo (tipo “miojo”). O trem oferece torneiras de onde jorra água quente.
As pessoas fazem filas, abrem o balde, ligam a torneira. Depois, com seus pauzinhos, mexem a mistura adicionando condimento em pó..
Comem e cospem, comem e escarram. De dia e de noite, enquanto o trem avança rumo a Xi´an – onde está o sítio arqueológico do Exército de Terracota.

E onde dormi num quarto de hostel, em zona turisticamente boêmia, no qual a cama media 4 metros de largura por quatro de comprimento.
Não esqueçamos que houve um tempo em que cada homem deitava ao mesmo tempo com uma legião de concubinas sobre o mesmo leito de amor.
Ficamos na China exatos dez dias, entre junho e julho de 2012. O país e o seu povo impressionam pela pujança, força, dinamismo. E desigualdades que a um brasileiro não fazem inveja.
No terceiro dia, ainda em Beijing, bisbilhotamos no Baidu, o “Google” chinês (este é bloqueado no país). Buscava-se um restaurante, quiçá brasileiro, para escapar do cardápio original.
Manhã seguinte, feitas as anotações em mandarim num caderninho (não há referências públicas fora do mandarim), aventuramos pegar um ônibus até lá. O ônibus rodou o mundo, veio a noite e jamais chegamos ao destino.
Nova tentativa no outro dia e deu certo. Então descobrimos o Chaoyang District, no qual gastaríamos o resto do nosso tempo na cidade.
Adentramos uma zona de conforto, uma bolha ocidental encravada numa área reservada a estrangeiros – principalmente europeus e estadunidenses – dentro da capital chinesa.

Ruas e praças do Chaoyang District são repletas de pizzarias de italianos, filiais de restaurantes, bares e boates desses encontráveis em qualquer capital da Europa e norte-América.
Raros, raríssimos chineses, talvez nenhum, entre os frequentadores. Sim, senhorinhas chinesas sim.
Localizamos o restaurante brasileiro. Decepcionava pela escassez de opções e recursos no final da tarde o qual visitamos.