MESES DEPOIS de sua exoneração, em julho de 2007, do cargo que ocupou por pouco mais de um ano como ministro da Defesa do Brasil, Waldir Pires pegou um voo comercial no aeroporto Tom Jobim, Rio de Janeiro, com destino a Salvador, Bahia.

Passava despercebido aos demais passageiros. Sentou-se na poltrona ao lado deste escrevinhador. A chance de ouvir alguma história sua.

Da partida à aterrissagem, por cerca de duas horas contou como foi sua fuga três madrugadas depois do fatídico 31 de março de 1964, nos primeiros dias do golpe que mergulhou o país na ditadura militar até 1985.

Não éramos estranhos, propriamente. Tivemos embates, Waldir no comando da Bahia (1986-1989), este escrevinhador atilado militante de causas dos favelados e do movimento negro.

Waldir Pires deixava a impressão de titubear quando pressionado, pondo em dúvida sua autoridade de governante.

Assim foi na crise conhecida como “apagão aéreo” nacional por aqueles meses, quando cedeu a exigências de controladores de tráfego em quase rebelião, o que é proibido em lei. [leia detalhes aqui]

Assim foi quando policiais militares, que sequestraram e deram fim a um morador da favela do Calabar, Jorge Floquet, acusado de crimes, obrigaram-no como governador a recuar da decisão de apurar a fundo o episódio.

Waldir, em 1964 consultor-geral da República, narrava agora a fuga com detalhes, em ritmo de thriller.

A fez ao lado de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil do presidente deposto João Goulart, em avião teco-teco monomotor pilotado por um piloto amigo em rota desviante, temendo ser abatido.

Até deixar o espaço aéreo brasileiro e pousar no Uruguai, próximo à fazenda na qual João Goulart se exilara, teria ocorrido uma série de peripécias. Contou.

O ex-governador da Bahia, eleito em 1986 pelo PMDB contra o carlismo, aparentava firmeza nos seus pra lá de 80 de idade neste 2007 vindo do Rio. Tinha muito para estar cabisbaixo àquela altura.

No saguão do aeroporto deixou-se ver ao lado de uma nova companheira, que lhe demonstrava afeto, alguns anos depois da morte de Yolanda Pires, sua mulher por mais de cinco décadas – 5 filhos, 9 netos.

Waldir ao lado do comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, durante a crise do apagão aéreo

Sua exoneração meses atrás se deu na sequência de tragédias que atingiram centenas de famílias e passageiros, em decorrência de dois desastres na aviação civil brasileira. Seu Ministério é responsável pelo setor aeronáutico.

A queda de um avião da Gol na Amazônia em setembro de 2006 matou 154 pessoas. O desastre com um voo da TAM matou 199 em julho de 2007. Lula, na Presidência da República, então decidiu mandá-lo para casa.

Tinha sido ministro da Previdência nos dois primeiros anos do governo de José Sarney (PFL) na Presidência (1985-1986), vez que Tancredo Neves morrera antes de tomar posse depois de escolhido para a transição entre a ditadura e a democracia, enfim retornada com a Constituição de 1988.

Campeão de votos na eleição estadual de 1986, Waldir frustou a maioria dos baianos ao renunciar, na metade, ao mandato de governador.

Jogou-se numa aventura política de resultado previsível, na disputa da convenção do PMDB na escolha do candidato à Presidência da República nas eleições de 1989, primeira depois da ditadura. Foi derrotado por Ulisses Guimarães, dentro da legenda.

Waldir ao lado de Ulisses Guimarães (à dir.), na campanha do PMDB para a Presidência da República em 1989

Para concorrer largara tudo. Deixou o Estado nas mãos de um coronel latifundiário, da velha cepa dos oligarcas rurais, seu vice Nilo Coelho.

Desastrados foram a renúncia de Waldir Pires, sua derrota na convenção do MDB e os dois anos do resto do governo anticarlista no Estado.

Em consequência, Antonio Carlos Magalhães (PFL) e os carlistas regressaram triunfantes, com toda força eleitoral ao comando da Bahia, de 1990 até 2006, com influência nacional.

Com os  jornalistas Gilson Jorge, o poeta Geraldo Maia e o ator Dody Só, o entrevistamos em seu escritório, pré-candidato ao senado pelo PT,  para a edição de dezembro de 2001 do jornal alternativo Província da Bahia. Título: “Waldir Pires não leu Macbeth”.

Ele, olhos marejados, cabeça baixa, admitiu o grave erro daquela renúncia.

Por algumas horas numa tarde de 2009 novamente o ex-governador recebia este escrevinhador para outra entrevista. Dessa vez em sua residência num condomínio fechado de luxo em Salvador.

Quando então falou de suas impressões sobre o geógrafo Milton Santos, particularmente na França, período do exílio imposto a ambos pela ditadura brasileira.

Animal político de bons modos em público – estranho para o vale-tudo da immanitas brasilianis  -, Waldir Pires, aos 91 neste junho de 2018, sai da selva para entrar nos livros.