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Atores do Grupo de Teatro do Calabar, formado por moradores e simpatizantes, em montagem no Teatro do ICBA em 1985 da sátira “A Peleja do Povo com o Dr. Coração”. Da esq. para a dir. Tereza Cristina, Nalva, Jamaica, Edu Omo-Oguiã, Jorge Washington (hoje no Bando de Teatro Olodum), André (hoje oficial mas à época soldado da PM), Elizabete Maia e Alírio Rosa. (foto de arquivo)
CADA um tem a sua história e as suas dívidas de aprendizagem. Calabar, não o da Nigéria que denomina o local desse lado do Atlântico, é a Universidade na qual fui alfabetizado, graduado e tirei o meu primeiro Ph.D. É para onde retorno sempre, já que minha gente e os amigos de infância permanecem lá. São eles que me atualizam das coisas que se passam.
É ali que o atual governo do Estado da Bahia fez e faz, desde abril de 2011, o seu laboratório do “Pacto pela Vida“. Projeto importante e bonito, mas que aos poucos vê-se diminuído pela politicagem e pelo cálculo eleitoral.
Marketing governamental, sua face mais propagandística tem sido ocupar os lugares com um estridente grupo de Policiais Militares, abrigados em espaço físico denominado – também pela propaganda oficial – Base Comunitária de Segurança (BCS). À moda das UPPs cariocas.
A primeira e mais festejada, justamente a do Calabar, nos últimos meses vem sendo esvaziada, desidratada pelo governo de Jaques Wagner. Viaturas e contingentes policiais que naqueles primeiros meses de 2011 faziam ronda durante as 24 horas do dia pelas ruas e vielas da comunidade já não existem. E é cada vez mais aberto o comércio das drogas consideradas ilícitas pelo Estado, cujo combate estaria na origem do tal “Pacto pela Vida”.
Favela em zona nobre imobiliária da capital da Bahia, da qual uma dezena de famílias, meu pai no meio, foram os desbravadores no final dos anos 1940 (quando morreu eu ainda amamentava), aí nasci, cresci, casei e tive filho. Aprendi com outros a lutar contra os abusos dos poderosos de plantão. O Calabar nos deu régua e compasso.
Nos anos 80 forjamos com dezenas de outros adolescentes aquela que foi tida e havida como a mais importante e exemplar luta comunitária que a Bahia já havia visto. Foi a época dos estertores da última ditadura militar do Brasil, que reprimia à força qualquer movimento social de matriz popular. Pagamos um preço, mas vencemos. Tanto que a expulsão exigida pela especulação imobiliária foi barrada pela resistência daquela brava gente favelada.
Tudo isso está muito bem documentado. Em trabalhos acadêmicos no país e no exterior (v.p.ex. Gasiorowski, Dorit, em alemão), assim como em livros e periódicos vários. Até mesmo em documentos do aparato repressivo do Estado, SNI à frente, agora abertos pelo Arquivo Nacional, em Brasília, aos quais estamos tendo acesso. Verifica-se que a ditadura mantinha um esquema de informantes que registraram passo a passo da organização comunitária.
Dia desses, numa das vezes em que estive na comunidade (ali mantemos agora dois projetos de pesquisa) bebericando com colegas, relembramos do pioneirismo de, na primeira metade dos anos 80, termos negociado diretamente com o então governo a instalação do primeiro “posto de polícia comunitária” em Salvador, com os policiais trabalhando em estrita parceria com a Associação de Moradores.
Isso findou depois que uma violenta e desastrada ação da PM, em 1987, resultou no sequestro e desaparecimento de um morador acusado, Jorge Floquet, num caso similar a esse do afamado Amarildo da favela do Rio de Janeiro. No caso baiano, ficou por aquilo mesmo, uma vez que o governador Waldir Pires recuou diante de ameaças feitas pelo alto comando da PM se as investigações se aprofundassem.

Quando governador da Bahia (1987-1989), Waldir Pires recuou quando a PM sumiu com o corpo do suspeito Jorge Floquet
Dos moradores ouvi agora o relato sobre o atual esvaziamento da BCS. Indaguei se seria um sinal do êxito das ações do “Pacto pela Vida”. Já não seria necessário o policiamento ostensivo, vencida a disputa armada dos grupos que comercializam drogas, à base de tiroteios frequentes que levaram vidas de inocentes e tornaram a comunidade refém.
Ah, se fosse assim – me responderam… A movimentação dos grupos rivais já recomeçou, embora ainda não retrocedeu ao ponto anterior a abril de 2011 – quando faziam questão de exibir suas armas para lá e para cá.
Três dias depois, em recente almoço com um Secretário de Estado de Wagner (para outro fim), ao ouvir esse relato ele, que também tem assento no “Pacto pela Vida”, concluiu, sorumbático: “Se no Calabar está desse jeito, imagine no Nordeste de Amaralina…” Pois é. E nas demais 11 outras localidades nas quais o governo ao qual esse Secretário serve tenta tirar dividendos eleitoreiros?
Pimenta nos olhos dos outros é refresco, Seu Jaques. É o que diria dona Nena, conhecida vendedora de acarajé nas priscas eras da comunidade.
Maravilhso!!!!!!!!
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