Hamilton Cardoso, intelectual de primeira linha do Movimento Negro quando este não era uma alegoria

Hamilton Cardoso, intelectual de primeira linha do Movimento Negro quando este não era mera alegoria da brancalhada satisfeita

SOUBE DE FONTE fidedigna que o prefeito de Salvador, Bahia, onde quase 80% da população se declara preta ou parda, tem “nojo” de negro. De minha parte, não acredito nessa aleivosia.

A se confirmar – a contraprova cabe ao jornalismo crítico e investigativo dos jornalecos baianos, porque ACM Neto jamais admitirá -, é uma contradição em termos.

Em seu primeiro mandato findo em dezembro de 2016 ele tinha como sua sucessora e vice a neófita em política Célia Sacramento, uma negra tão sutil dentro do movimento negro quanto um elefante solto numa casa de cristais.

Soube que ACM Neto tinha asco de posar ao lado da vice, segundo a fonte fidedigna, por conta do “cheiro” que a ele repugnava. Duvido.

Sem jamais se impor, talvez por falta de capital político, Célia Sacramento foi eliminada dos planos do herdeiro do espólio do cacique Antônio Carlos Magalhães, o mais importante coronel da política nordestina de 1967 a 2006.

Ela desponta, infelizmente, e torço para estar errado, para o anonimato. Sem jamais expor ao público as entranhas do governo a que ela serviu por quatro longos anos, até às vésperas de ser banida.

O neto do falecido cacique ACM ao lado de sua vice-prefeita, Célia Sacramento

O neto do falecido cacique ACM sorri ao lado de sua vice-prefeita, Célia Sacramento

Nem denunciar a público o que a minha fonte garante, citando inclusive informações de alcova.

Neto não está sozinho em suas predileções. A Bahia tem sido governada sucessivamente, à direita ao centro ou à esquerda, por líderes político-partidários que mantêm seus negros sob o cabresto.

Esses negros, devotados a suas siglas e facções – veja-se os pérfidos casos de Olívia Santana (PCdoB) ou de Gilmar Santiago (PT) – são eternos indigentes de mãos estendidas, em mendicância, aguardando um afago ou uma boquinha do nhonhô, seus senhores de mando.

No ambiente da Universidade brasileira, no qual transito aos supetões, tampouco é diferente. Aí negro bom é negro morto. Pinço o exemplo mais próximo: a Faculdade de Comunicação da UFBA.

Ali um colega professor provou do fel quando vivo. Depois de precocemente morto, se vê incensado.

Com pichações como esta no banheiro da Facom, o professor Muhamad Bamba foi recebido na Universidade Federal da Bahia. De Conacry, este escrevinhador conviveu com ele desde os anos de USP na década de 90. Bamba morreu em 2015

Com pichações como esta acima no banheiro da Facom, o professor Mohamed Bamba foi recebido na Universidade Federal da Bahia. A direção, hoje ré em processo federal patrocinado por este escrevinhador [clique para saber], contornou e abafou o caso. Natural de Cote d´Ivoire (Costa do Marfim), este escrevinhador conviveu com ele desde os anos de USP na década de 90. Bamba morreu de câncer em Salvador aos 48 anos, em 2015

O discurso “iluminista” desse lugar é tão hipócrita quanto os demais. Com o benefício de ser endógeno, autoreferenciado, corporativista e imune à pressão dos de fora – tratados como subclasse.

O prefeito ACM Neto pretende disputar as eleições para o governo do Estado em 2018, sem ter um ou uma negro(a) em seu círculo íntimo de assessores ou de articulações. Prefere a companhia, pelo que me dizem, de gente que faz lucrativos negócios utilizando o mar aberto do oceano atlântico que banha as costas da Bahia.

CAPITAL-SÍMBOLO DA INDIGÊNCIA ECONÔMICA – não é de hoje que bato nessa tecla, clique aqui e confira -, Salvador demograficamente é uma Nigéria. Em termos de representação social, política e econômica, é uma Escandinávia.

Um exemplo simplório? Os telejornais e programas das emissoras locais de televisão, cujos apresentadores acabam de pousar de Marte.

Bebê de colo nos anos 1980, o retrato da negritude baiana já dava pesadelos nesse aprendiz de militante. Hamilton Cardoso, Lélia Gonzalez, Benedita da Silva, João Jorge Rodrigues, Luiza Bairros, Lino Almeida, Kátia Melo, Passarinho, Luiz Alberto, Ivan Carvalho, Wilson Santos, Gilberto Leal, Luiza Marques, Jônatas da Silva, Maria do Amparo eram, com tantos outros, a nossa vanguarda cheia de boas intenções.

A meta: a conquista do poder, para transformá-lo a favor da maioria. De lá para cá, pelo menos na Bahia, incluindo sua capital de mais de 3,5 milhões de habitantes (apenas 20% declarados brancos), a coisa tem somente regredido. No Rio, em São Paulo, em Brasília, em Minas Gerais, no Maranhão, em Pernambuco ou Rio Grande do Sul o quadro é similar.

São Paulo e suas alianças heterodoxas merecem um capítulo crítico à parte. A rapazida do Rio de Janeiro, em torno do Ceap, do Ipeafro e que tais; a rapaziada do Pará, cujo ícone é Zélia Amador Aguiar; a rapaziada do Maranhão, com Magno; de Alagoas etc., gente que saiu do urbano e foi à terra remanescente de quilombos. Foram varridos completamente do mapa das transformações estruturais.

Hamilton Cardoso, fixado em São Paulo, tentou o suicídio várias vezes até que obteve êxito em seu intento.

Lélia Gonzalez, no Rio, foi consumida pelo vício e morreu na solidão.

Benedita da Silva foi jogada às feras por seus adversários das facções do Partido dos Trabalhadores (PT), a que mantém fidelidade canina até este momento.

Lino Almeida e vários outros foram destruídos precocemente pelo câncer, ou pela depressão ou por outras doenças físico-mentais, a exemplo de Luiz Orlando, precursor do cineclubismo no Brasil.

Maria do Amparo se mudou para a Suíça e parece ser uma das poucas mulheres do movimento negro que, por conta daquela opção, em termos comparativos vai muito bem, obrigada. Quando escrevo essas maltraçadas ela se encontra na ilha de Zanzibar, África Austral.

Os militantes se renderam ao chicote da realidade. Ou foram cooptados, ou se tornaram plenipotenciários de fundações internacionais que lhes pagam salários para militar. Ou simplesmente emudeceram diante do projeto do partido político que ajudaram a chegar ao poder da República e em alguns Estados, para depois serem ludibriados.

Pior destino tiveram os que somatizaram as agruras da luta, que incluem traições, invejas e rasteiras covardes dentro do próprio movimento – Nietzsche fala do humano, demasiado humano… – e definharam lentamentemte consumidos por doenças brabas, entre essas as psíquicas.

O jeito para alguns foi apelar para o Candomblé ou outras válvulas de escape. Como campanhas de auto-ajuda por mais amor entre eles.

Agora mesmo no período de Carnaval lá estava um deprimente Vovô, como é conhecido Antônio Carlos dos Santos, paxá vitalício do bloco afro Ilê Aiyê de honrosa memória, a se queixar ao microfone em sua “Noite da Beleza Negra” pela falta de “apoio financeiro” de tradicionais mecenas, como a Petrobras.

Tirando o couro dos seus serviçais tocadores de instrumentos de percussão, e mesmo daquelas moças que sonharam com o reconhecimento de sua beleza até aquela noite, essas agremiações ditas culturais hoje prestam um desserviço aos que dizem representar.

HÁ MUITO, GENTE como Vovô, do esclerosado Movimento Negro de antanho, vendeu a alma ao diabo e a ditadores como os da Guiné Equatorial, atirando às favas o projeto que diziam de tomada do poder pelo voto.

Por algumas migalhas, a radicalidade exigida na causa foi substituída pela retórica culturalista. Viva o tambor, os turbantes, os adereços, as trancinhas, o cabelo crespo!

O culturalismo, nesse caso, é também essencialismo de fachada. Há um quê de plataforma moral judaico-cristã.

Um quê de conservadorismo e de histeria nesse novo discurso, que é novo coisa alguma, pois se manifesta dentro de uma tradição facilmente reconhecível em, por exemplo, Idi Amin Dada (920-2003).

Este escrevinhador, desde os anos 1990, tem refletido sobre essas falácias que nada acrescentam ao nosso saldo bancário. O quanto a cultura tem servido de refúgio para os canalhas, sem alterar o status quo da massa negra.

Em termos práticos, ao propor um Movimento Pelas Reparações (MPR) – cujo ato mais simbólico foi um almoço no então suntuoso e estrelado Maksoud Plaza [clique para saber] nas imediações da Avenida Paulista – e por Cotas nas Universidades entre 1993 e 1996. Teoricamente, em ensaios como este aqui [clique para ler], originalmente publicado na Revista USP (Universidade de São Paulo).

Seria irônico, se o resultado não fosse a tragédia cotidiana enfaticamente alertada pela campanha Reaja ou Será Morto(a)!

Uma nova geração, não de militantes mas dos que se denominam “ativistas”, é incensada por setores que tentam influir na opinião pública. Desde que mantendo tudo no mesmo lugar.

Programas de emissoras de rádio, Tv e jornais, de propriedade das tradicionais famílias que sentem nojo da inhaca exalada pelo suor do negro, abrem espaços para garotas que se dizem “empoderadas” (sic!) simplesmente porque usam torços na cabeça ou deixam a cabeleira ao natural. É o tal do cabelo crespo, que minha bisavó já usava sem tanta carnavalização, mas agora é tido como o último ó do borogodó.

Teses e mais teses pseudoacadêmicas, restringidas à estética pura e simples, sem avançar um palmo além, pululam em espaços universitários. Como redentoras da miséria estrutural a que o negro brasileiro, no esgoto, está relegado. Franz Fanon às vezes é citado, mas completamente fora de contexto – deve tremer na sepultura.

Marcha da campanha Reaja! denuncia a matança da juventude negra na Bahia de hoje, como de ontem e de sempre

Marcha da campanha Reaja! denuncia a matança da juventude negra na Bahia de hoje, como de ontem e de sempre

Obviamente essa gente é bem-vinda nesses espaços “do bem”. Soma com os negros assimilados pela instituição, por ali falarem baixinho, com a “urbanidade” e os “bons modos” exigidos nos estatutos universitários. Jamais se rebelam ou dão um pio de solidariedade fora do penico. Coitada de Luiza Bairros!

Encantadas por si mesmas, essas gentes ou são oportunistas ou não se apercebem da arapuca em que se meteram.Provavelmente é exigir muito que tenham discernimento para tal.

Enquanto isso os racistas pontificam, se fortalecem em seus feudos. Afinal, a cor dessa cidade, Brasil ou Salvador, são eles. Nos ensina Daniela Mercury…