Existiria em qualquer lugar do mundo reconhecível como civilizado, letrado, jornal – como Folha de S. Paulo – que use e abuse de manchetes baseadas em sondagens de opinião?
Feitas sob encomenda por empresa do próprio jornal, no caso o Instituto Datafolha?
Ariano Suassuna (1927-2014), citando o político britânico Benjamin Disraeli (1804-1881), dizia haver três tipos de mentiras: a comum, a deslavada e a estatística.
Já por mais de duas décadas o jornal substituiu a apuração dos fatos da realidade por dados estatísticos colhidos em entrevistas por telefone ou aleatoriamente.
Abriu mão da reportagem profissional. Fabrica artificialmente temas e assuntos a partir de questionários próprios.
Não tem tragédia nem escândalo a noticiar? Tome-lhe “Datafolha”!

Isso não existe em qualquer parte do planeta onde ainda respeita-se o leitor, o telespectador ou o ouvinte esclarecido, informado e crítico de jornais.
As fontes das manchetes deixaram de ser fruto do trabalho de apuração do profissional formado, treinado e adestrado para a função jornalística.
O jornalismo profissional obedece a técnicas da deontologia dessa área do conhecimento. Sai à rua para “sentir” a temperatura, gasta sola de sapato, come poeira e vê com os olhos o que se passa.
As tais sondagens cegaram os jornais. Arrogam-se conteúdos noticiosos, sem verdadeiramente o serem.
Os patrocinadores chamam isso de “pesquisas de opinião”, impostas como fatos.
Em manchetes que irão repetir-se em veículos midiáticos Brasil afora, além de repercutirem no exterior como verdades.
Improdutivo levantar-se contra, mas precisam ser vistas com suspeita.
Sondagens existem desde Pôncio Pilatos. Pergunta-se à turba. Em sua opinião quem deve ganhar [no caso, a liberdade]: Jesus Cristo ou Barrabás?
As sondagens são contratadas por grupos de interesse. Ou patrocinadas por esses.
No contexto da disputa pelo poder via corrida eleitoral, bancos, confederações da indústria, do comércio etc., promovem suas próprias “pesquisas eleitorais”.
Os veículos de mídia as divulgam e as repercutem como algo higiênico, sem alertar o público da rapacidade dos resultados apresentados.
É obvio que a divulgação exaustiva, semanas e semanas por meses e meses, dos dados estatísticos assim colhidos, termina por impor uma espécie de resignação na mente do eleitor.
O melhor candidato, a melhor candidata é aquele ou é aquela apontado(a) hoje pelo Datafolha ou que tais.
Repetidos erros dessas sondagens em pleitos anteriores são menosprezados.
Mesmo os partidos políticos cedem, orientando a escolha de nomes para a disputa a partir da esquizofrenia dos resultados divulgados pelas sondagens.
A máquina de moer da estatística, elevada a essa potência, tem destruído pressupostos básicos da atividade jornalística no Brasil. Dúvida e ceticismo entre esses.
Bem, se o jornal Folha de S. Paulo, por mais de duas décadas, “substituiu a apuração dos fatos da realidade por dados estatísticos colhidos em entrevistas por telefone ou aleatoriamente.”, isso eu não sei. Mas que a grita se tornou evidente somente neste ano de 2022, ah…, isso sim é verdade.
Também é verdade que, desde a redemocratização, o Datafolha, em suas pesquisas de intenção de voto, acertou todos os candidatos que foram eleitos à presidência da República. A margem de votos estimada, obviamente, pode variar para mais ou para menos, porém, ainda assim, o Instituto normalmente demonstra precisão nesse quesito.
O Datafolha foi assertivo até mesmo na famigerada eleição presidencial “fraudada” de 2018, quando afirmou que a vantagem do atual presidente sobre o segundo colocado era de mais de 10 milhões de votos.
Os levantamentos realizados pelos institutos sérios e de maior tradição em pesquisas de opinião têm apresentado resultados semelhantes sobre a corrida eleitoral deste ano. Contudo, é verdade que tem crescido bastante a quantidade de vigaristas oferecendo seus serviços nesse mercado, haja vista alguns resultados completamente discrepantes que aparecem de última hora.
Ademais, pesquisa de intenção de voto não é exercício de futurologia, é uma estimativa que pode variar conforme o humor do eleitor. E dada a inviabilidade prática da consulta a todos os indivíduos que compõem a população, é natural que o método adotado seja a amostragem, com base em parcela representativa das características do conjunto.
Há muitos anos, é assim que a ciência vem trabalhando e nos oferecendo explicações.