• Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá/ Tartaruga: Pé ligeiro, corre-corre tribo dos Kamaiurá/ (…) Zé de Nana tá de prova, naquele lugar tem cova/ Gente enterrada no chão/ Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro/ Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro/ Roubou seu lugar… (Vital Farias, “Saga da Amazônia”, 1982).

Muita Amazônia, pouca Petrobras, os males do Brasil são. Isso é Macunaíma, o herói sem nenhum caráter.

Em visita ao Instituto Butantã a personagem de Mário de Andrade (1893-1945) registra no livro de visitantes desse centro de pesquisa da fauna selvagem: “Pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são…”

Gráfico do INPE registra o volume anual de mil hectares desmatados na Amazônia de 1988 a 2019

O jornalista Paulo Francis (1930-1997) há muitos anos batia na tecla. A Petrobras, das maiores empresas de energia fóssil do mundo, joga contra os interesses dos brasileiros comuns. É centro de corrupção, como demonstrado posteriormente na Operação Lava Jato. A solução, insistia Francis: retire a Petrobras das costas do Estado e a mamata acaba.

Por apontar o dedo na ferida Francis viu-se processado pelos então marajás da estatal. Deprimido, a perseguição que sofreu contribuiu para o infarto fulminante que o matou em Nova York.

Venda-se a estatal, que um dia o presidente Getúlio Vargas (1882-1954), seu criador, quis que fosse “nossa”. Depois suicidou-se com um tiro no peito.

Fatie-se seus ativos, estimule-se a concorrência de empresários privados nacionais e estrangeiros que a coloquem nas regras da competitividade. Quebre-se o que lhe resta de monopólio na cadeia produtiva.

Quanto à floresta o raciocínio de Paulo Francis era o mesmo. Dê-lhe a quem possa tê-la. Na juventude dos anos 1980 fizemos passeatas, pichações em muros com palavras de ordem “A Amazônia é nossa!”

A Amazônia é um problema do tamanho do universo. Nenhum governante em Brasília jamais conseguirá controlar aquela região, um outro mundo dentro do país como a selva do “Avatar”, o filme de 2009 de James Cameron.

Este escrevinhador quando jovem teve uma experiência amazônica por uns 40 dias, mochila nas costas por conta própria. Numa sua ínfima parte.

Ao lado de um amigo subimos rios e igarapés, com paradas, de Belém a Santarém, Manaus a Porto Velho, barcos e canoas, dias e noites. O cadáver de Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988, ainda estava fresco em Xapuri, no Acre.

Na volta o chefe de Redação de A Tarde aceitou publicar uma série de três artigos que escrevi sobre o que vi. Título de um deles: “Crônica para anunciar uma morte”. Falava de outro líder seringueiro, também do Acre, que estava em vias do mesmo destino.

A Amazônia, sabia a missionária Dorothy Stang, assassinada em fevereiro de 2005, pouco tem a ver com o que se chama Brasil “civilizado”, esse dos todxs e todes.

Dizer-se dono de uma coisa é você ter condições de cuidar dessa coisa. Gente fofa do mundo inteiro, assim como cientistas e ambientalistas sérios denunciam: o governo de Jair Bolsonaro é incompetente, para ser menos ofensivo, na proteção das riquezas de sua floresta tropical.

Bolsonaro é o demônio da vez, contudo o problema vem de longe. Há um mantra: o Brasil não protege sua floresta tropical. Sem condições materiais de cuidado, por que não se desfazer dessa enxaqueca intermitente?

A sociedade, por seus representantes eleitos, reconheça a incapacidade de gerir, de administrar, de dar segurança a contento à região. Vendê-la de papel passado, a quem interessar possa – por que não?

Hoje Ellon Musk se habilitaria. Ou George Soros, que banca muitos dos “defensores dos povos da floresta tropical”, confortáveis em seus escritórios e cômodos decorados por monótonas prateleiras de livros. Em “lives” e entrevistas em ambientes com ar-condicionado, seguros.

Gentes que vivem em mundos paralelos. Ao contrário do bilionário estadunidense Daniel Keith Ludwig (1892-1992) e seu “Projeto Jari“, contra o qual, secundarista, fiz passeatas nas ruas de Salvador, Bahia.

Henry Ford (1863-1947), o revolucionário empresário yankee dos automóveis, também acreditava ser possível domar a floresta. Sifu!

E o “Fitzcarraldo” de Werner Herzog? Simplesmente enlouqueceu! Veja um trailer.

Comprar ou invadir a Amazônia já fez parte de planos expansionistas de gente influente e importante, especialmente líderes civis e militares dos Estados Unidos da América.

Isso foi particularmente cogitado no período da Guerra Civil (1861-1865), quando as elites norte-americanas decidiram alocar seus escravizados ou negros libertos fora de seu território. Compraram na África o que denominaram Libéria.

A Amazônia esteve no radar, como pode ser lido em O sul mais distante (2010), de Gerald Horne. Neste artigo [clique para ler] publicado em 2009 pela revista “Pesquisa Fapesp”, o autor Carlos Haag contextualiza o debate político entre o presidente Lincoln e o Congresso dos U.S. sobre o tema.

Quer saber?

De uma tacada a sociedade brasileira se desvencilharia de duas dores de cabeça. E poderia usar o saldo resultante para investir em saneamento básico, esportes nas periferias e distribuição natalina de lucros e dividendos.

Com cheque individual anos a fio a cada um dos brasileiros remanescentes. Não importa a cor, credo, sexo, idade e posição partidária – se lulista ou bolsonarista.

Neste momento vê-se a gritaria de sabotadores do Brasil em torno de mais uma tragédia anunciada, os assassinatos de mais um servidor público federal da Funai (Fundação Nacional do Índio), Bruno Pereira, e do jornalista Dom Phillips – também mais um.

A imagem que vendem é essa: o governo é o culpado. Por “ter abandonado a Amazônia, os índios, os jornalistas”.

Dom, jornalista britânico e Bruno, funcionário da Funai: assassinados na selva amazônica neste junho 22

Atribui-se mais essa tragédia humana, que não é única nem inédita, à pessoa do presidente da República. A miséria daqueles dois sujeitos imbuídos de boas intenções, até onde se sabe, na defesa de indígenas e da floresta, é tratada como razão eleitoreira. Isso não é piada!

No outro diapasão: o preço do barril do petróleo disparou na pandemia da Covid, agora agravado com a guerra Rússia-Ucrânia. Há a política de reajustes, atrelada à variação cambial do dólar, do valor dos combustíveis (gás, gasolina, diesel etc.) adotada pela Petrobras desde o governo (2016-2018) Michel Temer.

A Petrobras monopoliza o mercado, sem concorrência de empresas adversárias na maior parte do fornecimento dos combustíveis. Há de se repensar o assunto, em defesa não do chamado “interesse nacional” – uma abstração – mas em defesa do cidadão, do peão, da dona de casa.

O Partido dos Trabalhadores e seus puxadinhos destruíram a Petrobras quando no governo por 13 anos. Não apenas sistematizando a corrupção que vinha de longe, conforme as denúncias solitárias de Paulo Francis. Os preços dos combustíveis foram mascarados, protegeram as benesses de seus marajás no propósito de manter-se no poder.

Nos anos 2010-2016 do governo de Dilma Rousseff tudo ficou evidenciado. Prejuízo de bilhões de dólares à estatal, cuja conta depois foi cobrada de todos os brasileiros, inclusive em ações judiciais patrocinadas por investidores em cortes de Nova York.

Não são, porém, as chamadas “forças progressistas” a maior dificuldade para os brasileiros libertarem-se definitivamente de suas saúvas, recuperando sua saúde.

O “patriotismo” – último refúgio dos canalhas -, cuja expressão mais contundente forma-se na Escola Superior de Guerra, com a doutrina do nacionalismo, seria o maior óbice.

Forças Armadas, Exército em particular, seja no caso da Petrobras seja no caso da Amazônia, principalmente a Amazônia, jamais admitiriam desfazer-se desses pepinos assim sem mais nem menos.

A Petrobras é nossa, a Amazônia é nossa. Policarpos Quaresmas ainda vigem, querido Lima Barreto. Mais tragédias virão.