“Tosca”, de Giacomo Puccini (1858-1924), tem sido a ópera de minha predileção faz tempo.

Ópera, sim, ópera! Teatro musicado, dramático, que tem no italiano o idioma para mim nato.

No alemão de Richard Wagner (1813-1883) de “Der Ring des Nibelungen”, no japonês – ótimo. Talvez o idioma de Camões seja demasiado doce poeticamente para conter a dramaticidade, mesmo cômica, do estilo.

Em português brasileiro cantado é preciso fazer bastante concessão auricular.

Já fui ao Teatro Municipal de São Paulo vislumbrar-me com “Porgy and Bess”, de George Gershwin (1898-1937). Dita no original em inglês por uma companhia estudunidense de passagem pelo Brasil em meados dos anos 90, formada por elenco lírico quase na totalidade afro-americano. Tradução simultânea projetada na sacada do palco.

“Carmen”, do francês Georges Bizet (1838-1875), assisti em teatro de ópera no centro de Madrid. “The Phantom of the Opera” elevou Sarah Brightman ao estrelato mundial. Meu filho Uidá assistiu aos dez anos num frio sábado de manhã num teatro da Broadway, Times Square.

A rigor é um musical para massas, há três décadas em cartaz em Manhattan e outras praças. É uma estória sobre atores de ópera. Antes de Uidá, vi aqui a primeira vez com afetiva amiga hoje jornalista, quando visiting na NYU, em visita que me fez no inverno de 1999 quedando-se com este matuto.

“Tosca”, porém, é a ópera que mais me enleva. Na Ópera de Berlin já estive em duas audições, em anos diferentes. (Ópera, estilo artístico, virou também designação da casa, do teatro – geralmente monumental – que abriga esse estilo. A de Paris, por exemplo, que visitei com um amigo belga residente, é atração turística, como a igreja de Notre Dame).

Reservas para “Tosca” feitas com meses de antecedência pois a Deutscher Oper Berlin está sempre lotada. Bem acompanhado, claro. Não tenho queixas da vida. Modéstia à parte, agradeço ser querido por companhias amorosas e queridas.

A primeira vez no fim de 2006, quando dinheiro não era problema porque bolsista da agência de intercâmbio acadêmico alemão, DAAD. No intervalo entre atos até brindamos taças de bom vinho.

A soprano Maria Callas interpreta Tosca: em 1958 ela rompeu contrato milionário com a New York Metropolitan Opera porque, cobrada a confirmar sua performance, simplesmente alegou não gostar de ser pressionada a fazer o que sabia por ninguém nem por dinheiro nenhum – grande artista que era

Da segunda levei minha filha Lys, pré-adolescente. Há pouco perguntei, ela confirmou. Foi em começos de 2009, quando residia na cidade como pesquisador na Freie Universität Berlin e ela visitou-me em férias por dois meses.

Por que gosto de “Tosca”? O tema me pega as coronárias. A música, todas as árias (ou passagens) e a temática. O drama, o enredo.

Política, amor, poder, religião, luxúria, corrupção, ciúme, chantagem sexual. O período histórico é o das guerras napoleônicas de ocupação a países estrangeiros europeus. Em sua estreia, Roma janeiro de 1900, foi mal recebida pela crítica especializada.

A personagem-título dessa obra-prima de Puccini é Floria Tosca, cantora que ama e é amada por Mario Cavaradossi, um artista, um pintor. Tido por subversivo porque é pela revolução republicana contra a ocupação do imperador Napoleão Bonaparte a seu país.

Cavaradossi é preso, mandado torturar na masmorra pelo Barão Scarpia, autoritário e todo-poderoso comandante de polícia de ocupação. Scarpia é alucinado para ter Tosca em sua cama.

Quando ela recorre a ele clamando pela vida do amado, o chefe de polícia diz que o destino de Mario está mas mãos dela. O subversivo condenado à morte pode ser solto e deixado fugir a outro país, bastando que Tosca entregue-se à lascívia de Scarpia.

Vê-se, assim, Tosca: o centro do drama, a protagonista que determinará o rumo de tudo.

Pela Internet várias versões e montagens são fáceis de encontrar. A montagem de 1964 no Covent Garden, em Londres, a meu ver é a melhor de todas. Em preto e branco. Dirigida e cenografada por ninguém menos que Franco Zeffirelli (1923-2019).

Vemos a soprano greco-americana Maria Callas, deixe eu escovar os dentes para pronunciar o nome da diva, Maria Callas (1923-1977), que na carreira se sabia talentosa, cantando com a alma no papel de Tosca. Na vida, temperamental e resoluta.

Vemos Tito Gobbi (1913-1984), pungente em seu rancor e ciúme, dar vida e morte a Scarpia. E Renato Cioni (1929-2014), um comovente Cavaradossi.

Não canso de repetir e repetir algumas das árias. A “Vissi d’Arte”, por Callas; a “Te Deum”, por Gobbi; “Mario Cavaradossi?/E lucevan le stelle”, por Cioni. Ou mesmo Placido Domingo, em versão outra.

Não raro, em casa, coloco para tocar. Cedo, tarde, nas solidões noturnas. Gosto de ouvir a todo o volume. Pela inconveniência a vizinhos de condomínio, já fui advertido com razão pela síndica.

Agora com a notícia da parceria em Salvador entre o Núcleo de Ópera da Bahia e o Colégio das Mercês, o qual Mel, hoje comigo aqui em Nova York, frequentou por três anos, fico na torcida para que dê certo e seja frutífera.

Daqui a pouco, em nosso regresso, quero pagar para assistir em breve a montagem de “A Flauta Mágica” (Die Zauberflöte) de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), como se anuncia. Especialmente ouvir a interpretação da ária “Der Königin der Nacht (“A rainha da noite”).