
Foi por Berlin a primeira vez que adentrei Deutschland (Alemanha), duas semanas antes do Natal de 2006, minha querida mãe analfabeta ainda viva sob cuidados numa cama em Salvador.
O pretexto era um intercâmbio acadêmico por 60 dias confortavelmente bancados por uma grant que ganhei do Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) em parceria com a Capes.
Recepcionou-me jovem amiga natural de Hamburgo, concluinte do curso de Medicina na Charité – Universitätsmedizin Berlin.
Nos conhecemos antes, rapidamente, em 2004, na cidade do México. No fim de 2005 veio passar as festas de fim de ano, sem também nunca ter pisado os pés no àquele tempo distante Brasil para ela.
À época estagiava num hospital de Nice, sul da França, onde uma baiana acaba de ser morta em ataque dito “terrorista”.
Convidou-me às suas expensas para o Carnaval nicense, que compete em efusão com o de Veneza e o de Köln (Colônia). Em seu automóvel naquele Carnaval de 2006 rodamos toda a Riviera Francesa, além do principado de Mônaco e norte da Itália.
Angela Merkel já fora eleita chanceler em 2005. Vinda da Bavária, de partido conservador da Democracia Cristã (CDU), o astuto eleitor médio alemão, que no início a via como uma promessa improvável, renovaria seu mandato em todas as próximas eleições seguintes.
Pelo voto da maioria dos seus concidadãos Merkel tornou-se a mulher mais poderosa do mundo nos dias que correm. Conquistou respeito e admiração, ao contrário do rival Donald Trump que, neste momento, disputa ser reeleito digressivamente para a presidência dos U.S.
Se completar o atual mandato daqui a dois anos, Merkel será a mais longeva chefe de Estado no exercício contínuo do cargo.
É a atual líder incontestável do mundo livre, comandando a nação economicamente mais rica, social-democrata, de toda a Europa. Em Frankfurt am Main está a sede do Banco Central Europeu, responsável pela emissão do € (euro).
É o sustentáculo da União Europeia que conhecemos.
Pelos seguintes três anos e meio, desde a bolsa DAAD, a Alemanha tornar-se-ia meu destino frequente.
O Brasil, o dela. Conseguira, por fim, estagiar por um semestre entre o Hospital das Clínicas em Belo Horizonte (MG) e o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Houve um período que estabelecemos uma espécie de ponte aérea Salvador-Frankfurt-Salvador.
Isso porque, formada em 2007, minha amiga obtivera um posto importante no Hospital de Clínicas da Universidade de Köln, fixando residência nessa cidade.
Uma companhia aérea alemã mantinha um voo duas ou três vezes por semana direto entre os aeroportos da capital baiana e o de Frankfurt, duração em torno de nove horas.
Você pega um trem rápido e em menos de uma hora desembarca ao redor da enorme catedral gótica da Colônia. Essa antiga cidade do Império Romano às margens do rio Reno, como dizem os estudiosos do tema, tem, como o nosso, o Carnaval “mais animado do mundo”. I guarantee!
Por anos, de tanto ouvir falar mal dos alemãs, supostamente todos genericamente racistas por causa da experiência nazista, minha passarinha jamais bateu por conhecer a terra de Beethoven, de Schopenhauer e do chucrute.
Depois de ir, ver e vencer – aí, diferente que noutras praças, jamais fui barrado na imigração ao adentrar o país, jamais fui revistado por blitz policiais, jamais fui humilhado nas ruas ou nas lojas -, a Alemanha de Angela Merkel melhorou em muito sua imagem.

Seja por nada, eu desenvolveria ali meu primeiro estágio pós-doutoral, com bolsa da Capes, da primavera de 2008 à de 2009, supervisionado pela digníssima professora Lígia Chiappini, do Lateinamerika-Institut da Freie Universität Berlin [clique para assistir].
Antes, na companhia instigante e provocativa da minha amiga, já palmilhara alguns dos seus recantos regionais.
De carro ou de trem, percorremos não apenas toda região de Bavária e Hamburgo, Lübeck etc., onde viva sua ativa avó. Fomos além fronteiras – rumo a Viena na Áustria, a Varsóvia na Polônia, a Praga na República Tcheka.
Ou a Istambul, em cujo aeroporto fui detido sob isolamento por hora, com meu passaporte retido, por suspeito em minha aparência.
Na Venezuela e Trinidad&Tobago, onde viramos o Réveillon 2007-08, mesmo sob o regime de Hugo Chávez o susto foi de menor intensidade.
No processo do pós-doc quis a sorte que restabelecesse contato com Dorit Gasiorowiski.
Mais de 20 anos antes ela havia realizado estudos sobre o movimento popular na capital baiana, com foco na luta do Calabar. Escreveu uma tese em sociologia sobre, na língua de Göethe.
Depois de rodar o mundo, principalmente países convulsionados da América Latina dos anos 80 – Cuba, Nicarágua -, Dorit localizou-me às vésperas de minha transferência para Berlin.
Foi quem conseguiu um apartamento para eu alugar, justamente em Kreuzberg 33, a zona mais multicultural, colorida, da já superfervilhante capital da República alemã.
A essa altura eu e minha amiga, agora diplomada em Ärztin, cujo evento de diplomação testemunhei em 2007, tínhamos tomado rumos completamente distintos.
Em fevereiro de 2019, novamente acolhidos pela extraordinária Dorit Gasiorowski, apresentamos Berlin a Mel. Que parece ter aprendido algumas lições sobre a cidade e aquele país.