Em termos políticos, seria a desestruturação familiar – mais que o racismo em si – causa e consequência da miséria de negros e negras?

Nossa hipótese é que sim, nas sociedades cujas instituições foram estruturadas a partir de hierarquias raciais.

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Brasil e Estados Unidos (U.S.) são paradigmáticos enquanto objetos de análise. Em termos restritamente políticos, enfatize-se.

Uma ressalva: fala-se aqui de um único paradigma, o ocidental. Herdeiro de determina moral, a que bebe no dogma judaico-cristão.

Como é sabido, há paradigmas outros. De sociedades antecedentes, em África, no Oriente e no mundo pré-colombiano nas Américas.

Em geral cultivadores da noção de família estendida, não unicelular, poligâmica – poligênica ou poliândrica. Mais acolhedora que a consanguínea.

Quando opta-se por formar uma família pelo padrão moral prevalecente, casal monogâmico e filhos, tendo esse modo de convivência formal por prioridade, tudo o mais fica em segundo plano.

Trata-se de investimento complexo e custoso, cujos resultados não estão assegurados a priori. Requer parcerias e cumplicidades, metas objetivas a alcançar.

Romantismo é tão-somente uma pequena parte em horas extras, se houver.

Diga-se logo que falta generosidade a esse padrão prevalecente. Em essência castrador, opressivo. Fonte de dores, lágrimas, frustrações, brigas e perversidades.

Por acordo pacífico essa família pode sequer conviver sob o mesmo teto. Permanece família desde que haja compromisso das partes em conservá-la.

Ninguém é obrigado a tal sacrifício, seja ele oficializado em contrato civil, religioso, papel passado. Ou por conveniência.

Cada um pode ter outras causas e coisas, outros sonhos por prioridade.

Antes da idade da razão (Sartre), de família não se cogita em arrivistas e revolucionários, egoístas em seus próprios termos. Essa vai para as cucuias. No máximo, para segundo plano.

Historicamente no humano família é o porto mais seguro, ainda que nem sempre. Em casos e casos, pelo contrário.

Sociologicamente, apenas quando se é um inveterado pervertido, ou por patológico desvio de personalidade, o sujeito – mulher ou homem – mantém-se desdenhoso do fato biológico fundador de sua experiência enquanto ser existencial.

É a noção da superioridade branca, enquanto ideologia das relações sociais mais comezinhas, herdeira de séculos de escravidão de africanos nas Américas, o que azeita as engrenagens da máquina racista presente naqueles dois Estados-Nação tomados comparativamente.

Tal superioridade manifesta-se, inclusive, numa constatação apriorística. Parece ser a família branca, caucasiana, mais constante que a família negra: afro-americana ou afrobrasileira.

Por óbvio, famílias brancas, como quaisquer outras instituições humanas, desagregam-se. Contudo, na medida em que o dinheiro circula por suas mãos, tudo depois se arranja de forma menos dolorosa.

A tendência à desestrutura do núcleo familiar cobra um alto preço aos negros brasileiros e estadunidenses. Grosso dos dependentes do auxílio divino e da assistência governamental encabrestadora.

Gerações e mais gerações de filhos e filhas criadas sem pai sucedem-se por décadas, séculos.

Variadas são as razões: irresponsabilidade dos parceiros, machismo do “varão”, ciúme, possessividade, perda da noção de limite no querer do outro. Invasões da privacidade alheia.

Tudo leva à indigência, ao reforço da criminalidade homicida. À marginalidade que provoca a ação da lei, rigorosíssima com esse estrato social. Vide a demografia dos presídios.

Falta-nos o princípio do sacrifício agora, pelo bem menos inseguro do presente e do futuro dos que amamos.

Aquele é substituído pelo princípio da felicidade, a qual não quer peias nem tolera contrariedades.

Poucos dão-se conta que felicidade não existe neste mundo terreno, posto ser monopólio de paraísos celestiais ansiados pelos crentes.

A não ser como produto de marketing propagandístico, para quem almeja a carreira eleitoral. E publicitário, para o mercado de consumo de bens, serviços e autoajuda.

Felicidade restringe-se a um fátuo estado de consciência, obtido com breves estímulos químicos à serotonina.

No presente contexto de relações líquidas, descartáveis, como enfatiza Zygmunt Bauman, a defesa da família negra soaria ridícula.

Este escrevinhador, já condenado ao inferno pelos pecadilhos cometidos tempo afora, ao defender a família pode provocar frouxos de risos até por sua extemporaneidade.

A moralidade judaico-cristã concernente à castração jamais foi-lhe conselheira ou tônica.

O contrário daquela defesa, porém – restrita ao combate político – resulta na conivência do próprio Movimento Negro com a tragédia contemporânea dos párias sociais gerados pela situação. Verdadeiro exército de “vítimas-algozes”.

Sustentamos a tese de ser a desagregação das famílias negras o combustível que melhor sustenta as bases do racismo estrutural.

Trata-se de um anátema. Urge aos e às combatentes da luta anti-racista no Brasil refletirmos o problema.

Nos Estados Unidos um setor do combate já o faz, até pedagogicamente. Há vasta literatura sobre o tema.

A questão aqui posta é: É possível mudar o mundo, “O Sistema”, sem antes mudar o de dentro de nossa casa? O que vai dentro de nossa alma?

Revolucionários e revolucionárias empoderado(a)s, que falam das mais variadas causas nobres, cuidam do que aqui é visto como basilar?

Na Pólis, na sociedade política eminentemente humana, a família antecede a sociedade – para lembrar Aristóteles. Não o seu contrário.

Por esse princípio, toda e qualquer sociedade seria um reflexo do conjunto de famílias que a compõe.

Se o padrão das famílias negras é o esgarçamento, poderia a sociedade na qual inserimo-nos fazer o quê? Se servimos de retroalimentadores desse estado de coisas?

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O pensamento do filósofo grego propugna pela preservação e conservação do núcleo familiar tradicional – insubstituível, pois é daí que decorre a continuidade da espécie humana -, como modelo de sobrevivência social.

Qualquer maneira de amar vale a pena, mas a assertiva aristotélica continua atual. Vez restar 520 anos para o distópico Admirável Mundo Novo (1935) vislumbrado por Huxley realizar-se enquanto promessa técnica- científica do futuro.

Engels, utilizando notas de Marx, escreveu um manifesto, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), tentando demonstrar a relação direta e subsequência de cada uma dessas instituições humanas – que seriam interdependentes.

Não por outra razão, todos os autoproclamados pós-modernos filiados ao espólio marxista e suas variantes de esquerda, questionam a família (a que chamam de “careta”), a propriedade privada (a que chamam “capitalismo”) e o Estado (a que chamam “burguês”).

O questionamento não impede seus próceres de manterem, ao estilo burguês supostamente criticado, suas próprias famílias e propriedades, como bens garantidores de privilégios que desfrutam.

A distinção está no sobrenome, family name na assertiva anglo-saxã.

Simplificam em suas generalizações, bradando ser progressistas os que defendem por abaixo aquilo que Marx e Engels denunciaram estar na base de todas as opressões e explorações do mundo moderno.

O mundo ocidental fruto das revoluções industriais iniciadas com a expansão do mercantilismo a partir de meados do século XIV.

Cuja herança material reflete-se na hereditariedade, sem mudar de mãos, e na pobreza também hereditária.

Mesmo em suas desavenças, ainda que fratricidadas, aqui os brancos têm algo a ensinar à negrada culturalista de nariz em pé, cabelos crespos, de chapinha, trancinhas mega-hair, filhos e pais sem norte, saldo bancário no vermelho.

Haja o que houver, como demonstrado por Hillary Clinton, Ruth Cardoso e Ticiana Villas Boas Joesley Batista, mais importante que pruridos exógenos é ser inteligente nos negócios, business.