
DURANTE ritual de defesa do Memorial para alcançar o último nível da docência do Magistério Superior no Brasil, o professor titular da USP (Universidade de São Paulo), Kabengele Munanga, depois de uma aula de sociologia política concluiu que o candidato, este escrevinhador, estaria alcançando “o topo da montanha, onde o clima é mais agradável e confortável”. Provocativo, indagou:
- Quais são agora seus novos projetos? Vai pendurar a chuteira?
No português falado no Brasil, país cujo esporte mais popular é o futebol, “pendurar a chuteira” equivale a deixar para sempre o campo da disputa.
Munanga, uma das maiores autoridades no debate sobre o racismo brasileiro, foi um dos cinco membros da banca examinadora, presidida pela professora Florentina da Silva Souza, titular do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia.
Kabengele, como é mais conhecido, que nasceu na aldeia Bakwa Kalonji, na atual República Democrática do Congo, fez mestrado na Bélgica e se radicou no Brasil há mais de quarenta anos, diversas vezes citou seu colega da USP, Milton Santos (1926-2001).
Milton Santos certa vez teria lhe dito que “uma de nossas dificuldades como negros na sociedade brasileira tem a ver com o fato de não termos telefone”.
Kabengele, que falava ao geógrafo justamente por telefone, não entendeu. Então Milton Santos lhe explicou:
- “Ter telefone é quando uma pessoa liga para outra e diz Fulano, na sua empresa ou sua fábrica tem alguma vaga para encaixar meu primo ou meu sobrinho que acabou de se formar em engenharia ou em qualquer outra área?”
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Inquiriram o candidato também os titulares Henrique Cunha Júnior, da Universidade Federal do Ceará, Alberto Efendy Maldonado de la Torre, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, e Paulo Sérgio Pinheiro, da USP.
A banca foi realizada das 14h às 18h deste 8 de agosto, em auditório tomado por um público diversificado na Faculdade de Comunicação da UFBA.
Efendy Maldonado de la Torre, desde Porto Alegre (RS), e Paulo Sérgio Pinheiro, representante das Nações Unidas em Genebra, participaram por webconferência.

Em sua intervenção, Kabengele Munanga lembra diversos episódios da trajetória acadêmica de negros no Brasil, a exemplo do cineasta Joel-Zito Araújo.
Ante a ameaça da Reitoria da USP de expulsar este escrevinhador de seu doutoramento sob acusação de “crime contra o patrimônio público ao Estado de São Paulo”, Kabengele citou a reação do intelectual Milton Santos, então professor naquela instituição.
“Ele estava muito bravo e não entendia como uma pessoa que defende uma causa nobre pode ser expulso da Universidade por defender cotas para negros”, recorda Kabengele.
O que me levou até Salvador (abrindo mão de uns dias de descanso em Caldas Novas-GO) foi o considerar a relevância das contribuições de Fernando Conceição na luta contra o racismo no Brasil. Igualmente importante suas leituras da política brasileira.
Seu júri foi composto por personalidades que tem nome e renome também nessa questão que me interessa particularmente desde os anos 70. Foi compensador ter presenciado a leitura, arguição e defesa de seu memorial. Particularmente comovente os relatos de como lidou com a violência do racismo em sua vida acadêmica. E encorajador ouvir o percurso de sua produção onde se ressalta a abordagem de Cultura e Sociedade na Bahia na `Pós-Graduação.
M.L.Teodoro – Brasília – DF