O ADVOGADO DA HAPPYFRONTIER declarou não saber “se vieram cá ou não” [a Lisboa] as autoridades do governo baiano que fecharam negócios de € 18 milhões (aproximadamente R$ 56 milhões) com a empresa portuguesa, cuja sede é um modesto salão de cabeleireiro, para aquisição de dois navios para a travessia Salvador-ilha de Itaparica.
A uma série de novas perguntas enviadas para ele por e-mail, o representante da empresa reagiu nesta segunda-feira (13/10) afirmando que seus clientes “não têm mais esclarecimentos a prestar”, diante da recente publicação feita com exclusividade por este repórter.
O tom de conclusão de sua resposta por e-mail é de ameaça: “No que me diz pessoalmente respeito, e ao teor da notícia já publicada, vou avaliar os procedimentos, judiciais ou outros, a adoptar.”

Em foto de “interesse à ‘matéria'”, o governador Jacques Wagner visita o sócio-gerente da Happyfrontier no sábado véspera da eleição que deu a vitória a Rui Costa e a Otto Alencar
Em tom menos agressivo, no dia 5 de outubro o advogado já havia enviado uma mensagem por e-mail para este repórter, que tentara contatar diretamente dois dos três sócios da Happyfrontier. Ali ele afirmava que “todos os contactos que entenda fazer, deverão ser feitos através do meu escritório e de mim próprio”.
Na mensagem o advogado diz aproveitar a oportunidade, e porque pode ser do interesse para a “matéria” [aspas dele] em que está a trabalhar, para enviar uma fotografia “que documenta a visita que o Sr. Governador da Bahia fez ontem a um dos sócios da Happyfrontier, Lda., para o felicitar pelo excelente trabalho que estão a realizar para o Estado da Bahia e as suas populações”.
- “DEVE HAVER ALGUM ENGANO”
O advogado, que na tarde de 29 de setembro, depois de saber da apuração, fez por telefone o primeiro contato com a reportagem, recebeu nessa condição este repórter, que assim se identificou, apresentando credenciais de jornalista, em seu escritório na tarde de 1º de outubro para falar sobre o assunto.
Na ocasião, ao ser instado a levar o repórter à sede da Happyfrontier, o representante da empresa se negou fazê-lo. Dias depois, por telefone, ao ser informado sobre o salão de beleza, reagiu peremptório: “Deve haver algum engano”.
O repórter insistiu, informando que esteve na Rua D. Afonso de Noronha, nº 10, 1º andar à esquerda, dado como sede oficial da Happyfrontier, e que ali funciona o Milu Cabeleireiro de mulheres. O advogado novamente reafirma: “Não sei… É um escritório. Deve haver algum engano”.
Novamente confrontado com a informação de que a reportagem havia estado com a dona do salão, e ser esta sogra de João Carlos Palmeirão de Melo, o advogado passa a considerar ser possível uma empresa “ter o escritório em um sítio e a sede no outro lado, não é?”.
- EMPRESA DE PORTE NÃO PRECISA DE PORTE
O repórter disse estranhar ser considerado normal uma empresa de grande porte que, apenas no Brasil, faz negócio de €18 milhões, funcione em salão de beleza. Sem funcionários, sem placas indicativas. Indagou ao advogado em “qual outro lado” a Happyfrontier funcionaria. Ele preferiu não responder.
“Olha, eu quero te dizer isto”, prosseguiu o representante da Happyfrontier. “Quando se fala em empresas de porte, não têm que ter esse porte (sic!). As empresas vivem sem precisar de estrutura. Aliás, cada vez menos tem estrutura. Até podia ter um daqueles escritórios virtuais que tantas empresas têm.”
Mesmo para fazer negócios multinacionais com governos como o da Bahia, o advogado entende que empresas como a sua “não tem que ter” espaço físico. E revelou: “Eles não recebem clientes”.
Então, indagou o repórter, o governo baiano fechou a compra virtualmente? O advogado responde que foram “verificar os navios [na Grécia], mas, atenção!, eu não sei se vieram cá ou não” [na sede da empresa em Lisboa].
- TCE VÊ INDÍCIOS DE CRIME E PEDE INVESTIGAÇÃO
Este repórter, que é contribuinte no Estado da Bahia, deu com exclusividade a informação de que a Happyfrontier funciona em apartamento de um conjunto residencial de classe média baixa, propriedade da sogra de um dos sócios-gerentes que fez o negócio com o governo de Jacques Wagner (PT) em novembro de 2013.
Todo o processo foi coordenado pelo vice-governador Otto Alencar (PSD), que acaba de ser eleito senador, até março de 2014 titular da Secretaria de Infraestrutura. De acordo com o governo, foi tomado um empréstimo junto ao Banco do Brasil para a aquisição dos ferries para a travessia Salvador-ilha de Itaparica.
Um dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, Pedro Lino, viu “fortíssimos indícios de crimes” na licitação e denunciou o fato ao Ministério Público da Bahia. Como a transação envolve moedas internacionais e empréstimo do Banco do Brasil, há a possibilidade de ser investigada por autoridades federais.
- ADVOGADO NEGA ALTERAÇÃO DE CONVENIÊNCIA
Por estar residindo em Portugal para atividades de investigação acadêmica relacionadas ao seu campo de estudos nas áreas de comunicação, cultura, poder e relações institucionais, este repórter resolveu apurar o negócio. De posse do endereço oficial da Happyfrontier, constatou tratar-se de um salão de cabeleireiro.
Depois, telefonou para o número da empresa. Ninguém atendeu. Resolveu telefonar para o número do salão e ao ser atendido, perguntou pelo sócio-gerente da Happyfrontier.
Foi informado pela sogra, também cabeleireira e que disse fazer a faxina do escritório, que o mesmo se encontrava “em viagem, pelo Brasil”. Deixou seu número de contato. Horas a seguir, o advogado marcou a entrevista em seu escritório.

Filipeta do Milu Cabeleireiro, que pertence à sogra de Palmeirão de Melo, e há 30 anos funciona no endereço dado pela Happyfrontier, criada em 2008
O advogado sustenta que a alteração feita em abril de 2014 do objeto da Happyfrontier, fundada em 2008 para comércio de vídeos e materiais domésticos, conforme revelado na matéria anterior por este repórter, não se relaciona à adequação ao resultado da licitação da Seinfra ganha em novembro de 2013.
Boa noite. Como procedo para seguir o site e receber novas publicações? Grata.
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