De empregada doméstica a possível presidente de uma República que rejeita mulheres e negras desafiando a hegemonia branca

De empregada doméstica a possível presidente de uma República que rejeita mulheres e negras desafiando a hegemonia branca

O Partido dos Trabalhadores sempre foi um partido racista, de hegemonia sacerdotal branca. A tentativa de execração pública da candidata Marina Silva (PSB-Rede) bem lembra o processo recente de demonização de Joaquim Barbosa.

Num e noutro caso, é preciso desumanizar o adversário, que se torna em inimigo. A ser levado ao pelourinho, como um escravo que ousa romper as correntes que o aprisionam.

O PT sempre foi racista. Agiu assim em todas as disputas ao longo da história pelo Brasil. Alceu Collares (PDT-RG), João Alves Filho (PFL-SE), Albuíno de Azeredo (PDT-ES), Celso Pitta (PP-SP), comeram o pão que o diabo amassou na mão dessa gente.

Cobrava-lhes, jacobinamente, posturas de retidão comportamental jamais praticadas pela própria cúpula petista. Contra Abdias Nascimento e Caó (PDT-RJ) não foi diferente. Ao PT deve ser dirigida a crítica mais contundente no momento. Vez que há 12 anos tem em mãos a responsabilidade e as benesses do poder, ao qual foi alçado condenando as práticas de “500 anos atrás”…

Nos seus mais de 30 anos de existência, o PT gestou algum quadro de relevância nacional ou internacional? Alguém sabe dizer se esse partido proporcionou, nas disputas eleitorais a cargos relevantes, a possibilidade e viabilidade de candidaturas negras ao senado, aos governos de Estados, a prefeituras de capitais?  Admita-se: o PT não veta entre os seus dirigentes ou estrelas um negro ou uma negra que fale de voz própria. Finge não ver

Esse partido todo o tempo trabalha contra a emancipação negra. A menos que essa venha como um favor, como uma migalha materializada na instrumentalização e distribuição de funções e cargos de escalões inferiores. Ou em bolsas assistenciais, que de emergenciais se tornaram permanentes, como a única política de governo de “inclusão social”.

Na Bahia, o movimento negro organizado – ressalte-se: organizado –  promoveu em meados dos anos 80 um que seria nosso primeiro contato direto com o então Lula temor dos Collors, dos Malufs, dos Sarneys, dos carlistas, dos Renans, dos Robertos Marinhos. Isto é, temor dos que hoje chama de “companheiros” e pede votos. Dependências do Teatro Miguel Santana, no centro histórico de Salvador. Casa cheia. Lá estava este escrevinhador.

Quando me deram chance, indaguei se ele se considerava afrodescendente. Para constrangimento de alguns, o principal líder partidário rejeitou de forma tão violenta tal conexão, que parecia que eu o chamei de leproso. Negro, eu?! Descendente de negro, eu?! Lula nunca leu Gilberto Freyre. É um ignorante na questão racial de pai e mãe.

Dois velhacos, de países majoritariamente afrodescendentes: negros, nós?!

Dois velhacos, de países majoritariamente afrodescendentes: Negros, nós?!

O histórico do PT o condena como racista e sacerdotal. Talvez o fato de a Bahia ter a maior concentração de negros no Brasil fez com que já em 1981 a questão racial viesse a público, por iniciativa de um dos seus quadros atuantes, Ivan Ribeiro de Carvalho, dentro de um partido que se nomina “dos trabalhadores”.

Que desde já fique claro: o PT não é “dos trabalhadores”, mas dos trabalhadores sindicalizados, partícipes de guildas ou organizações. De maçonarias. O trabalhador negro na história do país que mais importou mão de obra escravizada sempre foi um semi-empregado, um subcidadão. Como tal, no conjunto também está alijado daquelas instâncias organizativas das classes dominantes de mando.

Em consequência a discussão sobre a necessidade de o PT abraçar a causa dos negros no Brasil foi violentamente repudiada de início. Ivan Carvalho, por ousar – criando uma campanha intitulada PreTos82 – foi o tempo todo desqualificado como um doidivanas. E muitos dos negros filiados ao partido desde lá atrás fizeram, como ainda hoje o fazem, papel de capataz. Isto é, aquele ao qual o nhonhô entrega o chicote para a tarefa de supliciar seus iguais.

Lula e os condenados mensaleiros José Dirceu, Genoíno et caterva, ou seja, os senhores de mando da instituição, jamais levaram a sério a questão do reflexo da estrutura do escravismo colonial na condição subalterna dos afrobrasileiros. Nem eles nem seus intelectuais orgânicos, Marilena Chauí e Francisco Weffort inclusos.

Intelectual orgânica do PT, Marilena Chauí na USP jamais favoreceu o debate sobre cotas, assim como seu partido

Intelectual orgânica do PT, Marilena Chauí na USP jamais favoreceu o debate sobre cotas, assim como seu partido

Essa gente sempre combateu a promoção da igualdade étnico-racial. De meados da década de 90 em diante, enquanto Fernando Henrique Cardoso na presidência da República favorecia o debate sobre cotas em instituições públicas – foi quem primeiro criou uma política de cotas para candidaturas no Itamaraty e no Ministério da Reforma Agrária -, a cúpula do PT resistia à ideia. A cúpula e sua base marionete.

Foi uma carlista, reitora da Universidade do Estado da Bahia(Uneb), quem primeiro determinou a implantação do sistema de cotas numa universidade pública brasileira, em 2002. Ao lado da lei aprovada pela Assembléia Legislativa não-petista do Rio para que o mesmo se desse na Uerj. A turma petralha somente aderiu a esse ideário depois que o mesmo se tornou uma realidade irreversível, graças à luta social não-petista.

Enfrentei um debate com José Genoíno no nascedouro das ações afirmativas e vi sua reação apoplética contrária. E sei, por assessor dele quando na Câmara Federal, de pelo menos um dos intelectuais orgânicos fundadores do PT, o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), autor de obra clássica sobre o tema – A integração do negro na sociedade de classes –, o quanto a sua elite mandatária repele o tema.

O PT sempre foi racista e sacerdotal, igrejeiro. Digo sempre porque sua estrutura interna, diretórios e demais instâncias burocráticas, sempre foram controlados por representantes dos estratos sociais das elites dominantes. Que se consideram brancas no Brasil. Embora “dissidentes” de seu próprio estrato social, não se dissociaram jamais dele – mesmo porque seus laços aristocráticos e sobrenomes são permanentes.

Leonardo Boff, uma das mais importantes influências teológicas do partido

Leonardo Boff, uma das mais importantes influências teológicas do partido, hoje reacionário que abandonou a batina mas não o catolicismo

Sacerdotal porque foi junto a padres, bispos e pastores da chamada “teologia da libertação” da Igreja Católica e de igrejas confessionais atuantes nas periferias, sindicatos e comunidades eclesiais de base, que obteve seu sustentáculo inicial. Jamais buscou entender, de fato, a complexidade do racismo como estruturante na manutenção do status quo social brasileiro.

Advém daí a incapacidade petista de promover lideranças negras para postos de comando, mesmo internos. Incapacidade, resistência e rejeição. Sua primeira grande estrela na Bahia à época de fundação (1980/81) era a mais importante liderança sindical, um negro de nome também Bahia.

O que aconteceu a Nilson Bahia, maioral do Sindiquímica, primeiro presidente da Central Única dos Trabalhadores? Quando pretendeu vôos mais altos na estrutura partidária e disputas eleitorais a cargos de mando no Estado, amargou na pele, como todas e quaisquer lideranças negras – você leu corretamente: todas – a máquina de moer gente petista.

Outrora a maior liderança do PT no Estado, Nilson Bahia foi sangrado para que Jacques Wagner se tornasse governador

Outrora a maior liderança do PT no Estado (1980-1982), Nilson Bahia foi sangrado para que Jacques Wagner se tornasse dirigente do Sindiquímica e um dia governador 

Nilson Bahia foi apagado da história do PT, num processo usual da pseudo-esquerda stalinista. E – bingo! – um dos seus auxiliares no sindicato, Jacques Wagner, de ascendência judia, tornou-se governador do Estado, enriqueceu-se e quer eleger um dos cupinchas fiéis. A negros ou negras jamais serão dadas condições equivalentes de disputas e oportunidades.

Esse modus operandi do PT se repete em todo o país. Negro bom é negro subalternizado, carregando faixas e quebrando facas em nome dos seus senhores.

Comandante do marketing lulo-dilmista, o baiano João Santana utiliza métodos de propaganda já ensinados por Joseph Goebbels, homem-forte da campanha nazista

Comandante do marketing lulo-dilmista, o baiano João Santana utiliza métodos de propaganda já ensinados por Joseph Goebbels, homem-forte da publicidade nazista

Por consequência, é preciso que o marketing da campanha petista, comandado por ninguém menos que um ex-garoto de recados mobilize a militância fanática e dependente. João Santana Filho cresceu com Duda Mendonça e o ex-prefeito, da mesma etnia de Jacques Wagner, que à frente de Salvador foi denunciado na Justiça como um ludibria naturae (ludibriador da natureza das coisas). Por conta de rombo estratosférico e até o presente não ressarcido aos cofres públicos. Como Hitler ou Mussolini fazia com as suas tropas SS e boinas azuis – para exterminar moralmente a adversária, o marketing petista bombardeia Marina, por esta agora ameaçar o bem-bão no qual essa turma se locupleta nos últimos 12 anos.

A propósito de artigo publicado pela BBC/Brasil e repercutido nas redes sociais, divirjo das fontes ali consultadas como representantes de afrodescendentes. E as convido à reflexão desapaixonada. Nessa fase final de campanha a grande massa de ativistas negros não agrilhoada pelos partidos políticos da base governista no Brasil, é livre.

Desacorrentada material e mentalmente, a liderança social, intelectual e popular independente pode considerar sem temor o momento histórico que vivenciamos. Ora, se é um fato de ruptura Barack Obama eleito presidente dos Estados Unidos da América racista, o ineditismo da eleição, com o nosso voto, de Marina Silva, terá repercussões profundas em nossa trajetória contra o racismo pátrio.

É preciso repudiar o medo que instilam contra Marina, assim como fizeram contra o PT nos seus primórdios. Votar e eleger presidente da 8ª mais importante economia do planeta uma negra. Negra e mulher – isso soa como uma revolução!

É uma oportunidade que, em sã consciência, não deveríamos negligenciar.

A negra Marina Silva jamais deveria ter ousado sair da cozinha da madame como empregada doméstica. Deveria dar-se por satisfeita de ter chegado a ministra de Lula. Deve ser agora eliminada pelo exército destruidor de reputações.

Não apenas subalternizado. Para o PT prevalece a máxima: negro bom é negro deprimido, louco. Ou melhor – e a violência endêmica que engolfa a Bahia é prova inconteste -, negro bom é negro morto. Basta! Chega! Fora! Como diria Caetano Veloso, é preciso mandar os malditos embora.