NO FINAL de junho de 2009 estive em Bissau, capital de uma das ex-colônias portuguesas da África ocidental, agora como sempre em vexatória precariedade política, apesar do recente fim do processo eleitoral.
Guiné-Bissau é um país rico mas politicamente insolvente, por conta da rapinagem colonial e hoje dos interesses de gangs e máfias internas várias, mancomunadas com as máfias e traficantes internacionais, principalmente europeus.
Quando lá estive não havia universidade, nem saneamento básico nem farmácia digna de nome. O fornecimento de energia elétrica, precário; água potável, raridade. O porto da cidade era um monturo de lixo e os limites da pista do aeroporto nominado Amílcar Cabral(1924-1973) eram sinalizados por caixotes de madeira.
As forças coloniais portuguesas, derrotadas na mais longeva e sangrenta guerra que enfrentaram antes de deixar o país em 1974, destruíram o quanto puderam todos os edifícios públicos e toda a infraestrutura.
Em 2009 a feição de Bissau ainda era de terra-arrasada mais de 30 anos depois de sua libertação. Uma das terras de baixa expectativa de vida e de índice crônico de desnutrição. Evidente que a maldade colonial não seria desculpa para a permanência do atraso, não houvesse a cumplicidade dos supostos líderes político-religiosos do país, que o mantém eternamente instável e inadministrável.
Saí de um ponto de transporte popular em Dakar, Senegal, no final da madrugada, pegando um “7 Places” rumo a Ziguinchor, região de guerrilhas separatistas no estado de Casamança, última fronteira antes de Guiné-Bissau.
Me acompanhou na viagem um rapaz frágil bissao-guineense, Augusto Mango, então com 25 anos de idade, há pouco tornado amigo, por intermédio do casal brasileiro que o ajudava em Dakar, Elisa e Arnaldo, baianos que haviam se metido pela África nos últimos 25 anos então. Imigrante, Augusto era aluno em curso superior de Comércio Internacional na Ecole des Sciences du Commerce et de l´Informatique do Centro de Tecnologia e de Informática de Dakar.
7 Places é a condução popular, geralmente um veículo sedan privado, caindo aos pedaços e sem nenhum conforto. É o meio de transporte coletivo interestadual do populacho, no qual se leva até 6 passageiros (7 com o motorista) pelas estradas do país , espremidos nos bancos quebrados de molas, pelo calor que chega do Saara. Todos vítimas dos achaques dos mil pedágios improvisados pelo caminho pelos polícias com cara de poucos amigos (padrão em viagens por via terrestre na maior parte do continente africano).
Para chegar a Casamance, território em conflito histórico doado à França colonial pelo império colonial português, tem-se antes que cruzar um outro país, a Gâmbia do império colonial britânico, com o carro sobre uma balsa que atravessa um rio. Depois novamente ingressa-se no Senegal e chega-se a Ziguinchor, última parada com o nascer da noite. Recomenda-se, por razões de segurança, não viajar depois do sol se por. Pernoitamos, dividindo o mesmo quarto de pensãozinha familiar, em Ziguinchor. Manhã seguinte pegamos outro 7 Places e por volta do meio-dia chegamos a Bissau.
Augusto Mango foi meu cicerone por toda a semana que ali estive. Era mais um período politicamente tenso no país, com ameaças de outro dos tantos golpes militares, os assassinatos de primeiros ministros, governadores, presidentes do país, lideranças de oposição que concorriam à eleição. Lembro a cara de espanto dos funcionários da embaixada do país em Dakar, quando fui solicitar o visto de entrada. Chegaram a pensar que eu era um louco, querendo entrar num país quando tantos queriam era dar o fora de lá.
Entrevistei talvez o único jornalista bissao-guineense que se mantinha em senso crítico, pagando o preço de ser sequestrado e morto. Mango me levou a conhecer seus amigos e parentes nas comunidades da capital e seu entorno, onde comemos ostras na brasa e muito bagre. Chupamos muita variedade de mangas e de caju. Regressamos depois, ainda via Ziguinchor, pegando aí um navio remodelado (doação da Alemanha) para o porto de Dakar, em 12 horas mar adentro.
Por mais de dois anos depois colaborei no que pude para que Augusto Mango continuasse seus estudos – ele que, fazendo chistes ou não, acreditava ser possível pacificar o seu país, se ele mesmo se engajasse na carreira política. Tentei contatá-lo faz alguns meses, daqui do Brasil, sem êxito. Nem seu telefone nem seu e-mail nem seu facebook funcionam.
Há muita inverdade neste artigo. Estou ao dispor para esclarecer