Luiz Mott, veterano do ativismo homossexual, foi, a meu convite, colunista do jornal alternativo Província da Bahia (1998-2005). Quando brigou comigo, ofertei o espaço ao professor Maurício Tavares, seu colega. Tinha total liberdade para dizer o que quisesse sobre o que quisesse. Escreveu em algum lugar que 10% da população mundial, em qualquer conjunto social, são gays e lésbicas. Incluindo Einstein e Irmã Dulce.
Todos os progressistas que conheço, a exemplo daqueles, têm como esporte preferencial nas horas vagas culpar pelas mazelas nacionais a Rede Globo. Que monopoliza no Brasil a produção, distribuição e circulação da maior parte do conteúdo midiático – em tv aberta, tv fechada, cinema, rádio, fonografia e impressos variados.
É curioso ver o oportunismo dessa gente quando esta mesma Globo lhe serve um banquete de cachorro-quente como o que acabamos de presenciar em uma de suas principais soap operas, a telenovela “Amor à Vida”.
O refestelo veio na forma de protagonistas gays que abertamente encenam a homossexualidade, em generoso espaço da teledramaturgia pátria. Culminando em beijo na boca (por que não de língua?), festejado em todo o país no último capítulo exibido pela emissora. Que a empresa da família Marinho faça filantropia, isso seria uma novidadeira temeridade.
A mesma, antes descrita como agente do “PIG” (Partido da Imprensa Golpista) a serviço “da Zelites” conservadoras. Palmas eufóricas e foguetes – além de audiência – foi o que se viu em cenas patéticas diante do ecrã por toda parte aquela noite.
Por que tanta purpurina? Porque homossexuais no Brasil – lésbicas, gays, travestis – querem se ver representados como sujeitos “normais” na grande mídia global? Possivelmente sim, – e na democracia as minorias sociais (10%?) têm direito a ter direito.
Ocorre que a fantasia televisiva cultua a disfunção. Flerta com a volubilidade mental de uma audiência semianalfabeta e monoglota. Assim, pode instituir a temática gay na sociedade, conquanto extraindo-lhe o sentido político. Pauta comportamental.
Resta o discurso moral dito politicamente correto. Tudo agora, até ser gay, é fashion. Como fungar cocaína, deve ser glamourizada. Escondam-se os cadáveres das vítimas do machismo latinoamericano ou das overdoses.
Não se deve deixar-se iludir de ser o discurso politicamente correto moralmente melhor ao discurso conservador. Ou mesmo que sejam opostos. Primeiramente, em geral tanto um como o outro são reativos ao que lhes contradiga.
Segundamente, à maneira da fé, querem se impor como dogma: tudo o que os negue é denunciado de heresia. Quem não se converte à seita, herege se torna. Por divergir, portanto, deve ser condenado a arder na fogueira inquisitorial.
Quem contestaria esse discurso, nos dias atuais desse país de homers simpsons – como definido um dia por William Bonner, editor chefe do “Jornal Nacional” – perante a “normalidade” cor de rosa com que mesmo a “Vênus Platinada” (humm, humm) do Jardim Botânico carioca apresenta relações homoafetivas eróticas?
Quem o fizer logo será rotulado de doente, isto é, portador de uma patologia mental – como o é o racismo -, neste caso: homofóbico. A moral politicamente correta da sociedade brasileira, consagrada pela Globo e aplaudida de pé pela militância GLBTS, soa bisonhamente hipócrita.
Por ser cosmética, jamais essa emissora – e seus repercussores e repetidores em outros canais e veículos – se mostraram honestamente capazes de “ousar” de modo similar e sólido à temática negra. Essa, a verdadeira fratura social do Brasil, advinda do escravismo tardiamente extinto no país. Flertam com os gays, a essa hora saltitantes – e isso já é muito e basta!
O racismo transbordante em todas as esferas da sociedade, que se esconde na aparente harmonia dos nossos carnavais, é ocultado, se não boicotado, pelos agendadores do debate público. A despeito dos Grandes Otelos, das Zezés Motas, Heraldos Pereiras, Glórias Marias e Lázaros Ramos, pregadores no deserto platinado à espera de um tempo que, se chegar, pode ser tarde.
Globeleza inclusa, os efeitos perversos desse histórico mantém-se na vida cotidiana da maioria populacional, assim como no plantel de raros profissionais dessa mesma Rede Globo.
Àquela moral discursiva politicamente correta interponha-se, sem receio do isolamento e da sordidez dos covardes, a indignação serena. O ideal de uma minoria não é superior a princípios morais conquistados pela modernidade. Podem se equivaler na diferença.
É tão complexo, difícil, ao mesmo tempo bom e mau, ser e ter relações heterossexuais, ortodoxas e liberais… que, se assim não o fosse, o próprio Luiz Mott até hoje seria um mero brilho nos olhos de sua querida mãe.
- P.S. Cometi essas mal-traçadas ouvindo o delicioso Ney Matogrosso em “Telma, eu não sou gay“.