Acredito, como Nietzsche (1844-1900), que a arte exista para que a realidade não nos destrua.
Nunca antes havia sido tomado por tanto arrebatamento, tanto torpor, quanto naquela manhã de primavera enquanto, triste, acabrunhado e duro, fui paralisado diante do quadro que reproduzo acima.
É um Caravaggio (1571-1610). Pertencente ao acervo de exposições permanentes do Metropolitan Museum of Art, de Nova York – cujo maior mecenas é a família controladora do jornal The New York Times.
À época em que morei na cidade (1998-1999), na rua 82 Leste com a Segunda Avenida, portanto próximo ao museu, costumava bater ponto ali. Dias e dias, às terças ou quartas, quando a entrada (acredite!) é de graça – o freguês deixa na bilheteria quanto quer, se quiser.
Melancólico e vazio, percorria salas e corredores do museu, sentava num banquinho aqui e ali, seguia adiante até que – bum! Diante do chiaroscoro de Caravaggio minha alma – se é que possuo alma – como se foi transportada para fora das misérias do mundo. E suas mesquinharias, ciúmes, dívidas, invejas e contas a pagar (sem drama, reconheço, estou agora sendo bem hamletiano).
Pela primeira vez chorei, sem mais e profundamente, sem entender por que, perante um quadro. Não era o tema da obra, eu que não sou cristão nem católico nem nada.
Aquele olhar de medo de Pedro, o dedo da denunciante apontado para ele, o movimento do centurião prestes a também crucificá-lo, tudo aquilo me comovia. A covardia, a vileza humanas sintetizadas numa pintura renascentista. No início daquela tarde, saí do museu um homem melhor do que o que havia ali entrado de manhã.
A isso chamam de experiência estética. É de Friedrich Nietzsche: “A arte e nada mais que a arte! Ela é a grande possibilitadora da vida, a grande aliciadora da vida, o grande estimulante da vida”.
Vi a minha alma – sim, eu tenho uma! – caminhando pelos corredores do museu. De qualquer museu, ou de qualquer outro lugar de fruição estética. E re-vi a mesma experiência do choro “sem mais e profundamente”. Transformações, transmutações, são o que ele significa, como foi captado pelo autor. Obrigada pelo texto, Fernando!
A existência da Arte é a única coisa que nos deixa suportar a nossa miserabilidade..
Como todos somos o “vice treco do subtroço”, como nos diz Mario Sergio Cortela em: http://www.youtube.com/watch?v=P3NpHryB-fQ é a arte que nos faz mais humanos.
A vida é desconcertante! Sem sentido, sem explicação plausível. Cópia da cópia da cópia. Para quê? Sem a arte, sem a história, sem nossas caras e bocas e manifestações culturais seria muito difícil encará-la. Enquanto elaboramos as boas questões e produzimos as boas respostas cumpre entreter-nos.
Celene Fonseca
Prezada Celene,
Sábia sua resposta. A constituição de um ser humano pleno depende tanto dos saberes epistemológicos, praxiológicos e ontológicos. Sem a existência e equilíbrio dentro deste triângulo, nada se consubstancia, o humano se desumaniza. A Arte sendo aberta, invade estas três facetas de uma maneira instigante, fazendo-nos sempre prontos a reconceituar a nossa unicidade.