Ensurdecedor. O silêncio dos “influenciadores” digitais, de comentaristas e colunistas das mídias tradicionais sobre a morte, ocorrida no “Dia da Consciência Negra”, 20 de novembro, de Cleriston Pereira da Cunha. Negro nascido na Bahia, empresário em Brasília há duas décadas.
Morte de responsabilidade direta do Estado brasileiro. Por negligência e omissão do Supremo Tribunal Federal (STF), na pessoa do ministro Alexandre de Moraes – presidente do “inquérito do fim do mundo”, na definição de seu ex-colega de Corte, ministro aposentado Marco Aurélio de Mello.

Morte que culmina uma sucessão de arbitrariedades atentatórias ao devido processo legal. À presunção de inocência. Ao direito à ampla defesa. Arbitrariedades que ferem de morte, como agora, o Estado Democrático de Direito previsto nos Títulos I (Preâmbulo e artigos 1º ao 4º) e II (Artº. 5º) da Constituição da República de 1988.
Constituição ainda não revogada por quem de direito, o povo, através do Congresso Nacional. Mas que nos recentes anos vem sendo rasgada por atos monocráticos e colegiados de membros da instância que a própria Constituição atribui o dever de defendê-la, a Carta Magna: isto é, o STF.
Até quando nós, o povo, ou nossos representantes eleitos para o Congresso Nacional, este órgão regulador dos abusos do STF, continuaremos coniventes com mortes como a de Cleriston da Cunha? Outras estão na fila.
A morte da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro em março de 2018 mobilizou a consciência nacional e a adesão internacional. Causou comoção pela barbárie dos perpetradores daquele crime, bandidos ligados a milícias cariocas que emboscaram a vereadora e seu motorista particular, surpreendendo-os num duplo assassinato.
A morte de Cleriston foi uma morte anunciada, daí o grau de perversidade de um Estado-carrasco emanado de servidores públicos, pagos pelo povo, como os ministros do STF. Cleriston e Marielle eram negros. Porém, revela-se completamente distinto o tratamento midiático e dos movimentos sociais, movimentos negros e de “defesa dos direitos humanos” dado a uma vítima e a outra.
No caso Marielle, muito barulho. No caso Cleriston, nenhum pio dos “ungidos”. Nenhuma indignação dos que têm espaço e voz nos grandes veículos de comunicação, portanto “formadores” de opinião. O que, uma vez mais comprova a seletividade de suas bandeiras, os seus interesses políticos, ideológicos, “identitários” para usar um termo da moda.
A morte de Cleriston na prisão vem sendo anunciada desde fevereiro. Mês depois das manifestações de 8 de janeiro deste 2023, que desembocaram em condenáveis depredações em instalações e prédios das sedes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário na capital federal.
Seguiram-se aos atos de vandalismo ordens de prisões em toda a parte, a mando de Moraes (que na data se encontrava em Paris).
Uma multidão estimada em mais de 1.5 mil manifestantes, como boiada, foi levada presa em comboios de ônibus apossados por forças militares. Nunca se viu isso na história do país. Nem mesmo na caça às bruxas da ditadura de 1964 a 1985. Ou em qualquer ditadura anterior no Brasil.
Crianças, adultos e idosos, alguns com sérias comorbidades e doenças que necessitam de acompanhamento médico sistemático, foram separados por sexo e aprisionados. Homens na penitenciária da Papuda; mulheres, na penitenciária Colmeia no Distrito Federal – sede dos três poderes.
Todos acusados de “golpe” e de “tentativa de abolir pela força o Estado Democrático”. A TV transmitiu ao vivo as manifestações, com destaque para Brasília e São Paulo. De sua poltrona em casa, este escrevinhador assistiu.
Nenhum tanque militar, nenhum fuzil, nenhuma metralhadora, nenhum “comitê central” de comando, nenhuma liderança à frente da turba. Que há meses protestava indignada pelo modus operandi que ungiu na eleição de outubro o ex-sindicalista por uma diferença de apenas 2% de votos à frente de Jair Bolsonaro (que na data se encontrava na Flórida, Estados Unidos).
8 de janeiro era um domingo, uma semana depois da posse de Lula da Silva como presidente da República (que na data se encontrava no interior de São Paulo em visita a um correligionário do PT, prefeito).
No dia 1º a festa de posse ocorreu dentro da normalidade, apesar de protestos Brasil afora e críticas à condução, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do processo do pleito que consagrou apertadamente Lula nas urnas. O país saiu da eleição dividido quase meio a meio.
“Nós derrotamos o bolsonarismo” é a frase discursada inflamadamente pelo hoje presidente do STF e por tempo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, em evento político da União Nacional dos Estudantes (UNE), braço do Partido Comunista do Brasil.
É de Barroso também a pérola dita em tom jocoso a um brasileiro em evento realizado em Nova York (USA) depois do segundo turno das eleições: “Perdeu, mané! Não amola”.
O mesmo Barroso em outro evento internacional em Londres, no mesmo período, foi desmentido por uma brasileira que o confrontou diante sua visão de que a exigência do voto auferível com dupla camada de proteção, com comprovante impresso (a exemplo das eleições na Argentina) nas urnas eletrônicas seria um retrocesso ao “voto de cédula de papel”.
Havia na manifestação de 8/01, que decorria pacífica e ordeira até depois do meio da tarde, comerciantes ambulantes diversos, até vendedores de algodão-doce e pipoca para a garotada.
No cair da bela tarde brasiliense parece que a coisa se degringolou. Lembrava as ações de Black blocs, grupos que aproveitam da onda de protestos para, infiltrados, depredar tudo o que encontram pela frente.
Houve a invasão das sedes dos três poderes – que não foram protegidas, como exigem os manuais de segurança do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF, pelas polícias especiais à serviço desses três poderes.
Videocâmeras flagraram o chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência da República nos corredores do palácio orientando e servindo água amistosamente aos depredadores. Outros registros por vídeo, declarou meses depois o ministro da Justiça à CPI sobre o tema, teriam sido apagados pela empresa que presta serviço ao Ministério…
A propósito do frágil estado de saúde de Cleriston havia laudos e pareceres clínicos que recomendavam o relaxamento de sua prisão, pois carregava sequelas da Covid-19. Agravantes que o obrigavam a exames rotineiros e obediência a receita de medicamentos de uso contínuo. Nenhuma dessas medidas possível no regime penitenciário brasiliense.
Parecer do Ministério Público Federal, órgão institucional acusador, enviado a Alexandre de Moraes em 1º de setembro, reiterava ao ministro, juiz do inquérito, a necessidade de o acusado sair do regime fechado para o de prisão domiciliar, ante o agravamento de seu quadro de saúde, para que pudesse ter condições de tratamento.
Moraes deu de ombros, como reiteradamente tem agido em relação ao MPF e à defesa dos acusados.
Cleriston tinha ficha limpa. Ao contrário de, vêm à cabeça Sergio Cabral ou Geddel Vieira Lima, mandarins da República, muitos reabilitados pelo próprio STF. Alguns em cargos de poder político – eleitos pelo voto popular ou não. Ele não foi julgado, muito menos condenado a nada.
Em 20 de novembro morreu sob essa longa espera por uma medida do Estado-carrasco a pessoa acusada de “depredação ao patrimônio público” à sede do Senado Federal. A acusação que lhe imputaram, mas que sempre negou. Não havia provas.
Mesmo se comprovada, pela lei é de pena menor – o que não justificaria estar em regime fechado há mais de 10 meses.

Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, morreu dentro da Papuda, deixando esposa e filhas menores. Seu pedido de relaxamento da prisão nas mãos de Moraes, jamais foi analisado.
Na mesma semana o setor de Inteligência da Polícia de São Paulo divulgou: nos recentes sete anos decisões da Justiça, incluindo de ministros do STF, deram liberdade a não menos que 30 chefões da organização criminosa denominada PCC, que sairam pela porta da frente da prisão depois de processados e condenados por crimes.
Hoje o Brasil tem um Ministério da Justiça e um Ministério de Direitos Humanos, dirigido por um negro amanteigado, que ignoram a morte na masmorra de brasileiros inocentes como Cleriston da Cunha.
Mas, estendem o tapete e abrem as portas de seus gabinetes para receber com todas as pompas uma mulher de um dos líderes do tráfico de drogas ilícitas no Norte do país, como prova reportagens do jornal O Estado de S.Paulo (leia).
Sobre o assassinato covarde de Marielle Franco com seu motorista particular já manifestei oportunamente repúdio e indignação. Foram mortos por organizações criminosas de milicianos fora da lei. Clique e leia.
A organização que matou Cleriston da Cunha é muito mais poderosa que aquelas, porque age supostamente “dentro da legalidade”. Invoca justamente “as leis” que ilegalizam as milícias, para justificar suas práticas alheias ao que está escrito na Lei Maior do país, a Constituição.
SARA TAVARES
Domingo, 19/11, morreu em Lisboa prematuramente aos 45 uma diva da música “crioula”, Sara Tavares (clique para saber). Sara, um ponto de luz aceso na alma… (ouça e veja se tenho ou não razão).
Iria escrever sobre a perda, irreparável para Portugal e Cabo Verde. Contudo, sobreveio a tragédia comentada acima.
Olá, Fernando. Não deixe seus leitores tanto tempo sem notícias! Artigos como esse são essenciais nesses tempos sombrios.
O que buscou ferir de morte o Estado Democrático de Direito foi o tal “movimento patriótico” de 8 de janeiro de 2023.
Penso que os coniventes, que tentam atenuar a gravidade dos crimes cometidos naquele fatídico dia, imaginam que os criminosos não devem ser responsabilizados, porque estavam no seu pleno direito de se insurgir contra o resultado das eleições. Estavam ali todos espontaneamente vivendo um pueril fim de semana no parque: algodão doce, pipoca, sorvete etc.
Que se faz em um caso como esse? Não houve crime? Todos os crimes devem ser perdoados pela Justiça?
Nada daquilo foi apenas protesto contra o resultado das eleições. A verdade é que muitos desejavam a reversão violenta do resultado da eleição presidencial, e estavam aguardando para ver no que ia dar. Queriam mesmo a manutenção do anterior presidente no poder, e por isso criticam a punição dos partícipes daqueles atos criminosos. Deste jeito: “Não sou golpista, mas concordo com a mudança arbitrária do resultado do pleito”.
Tudo começa com o povo na rua vandalizando o patrimônio estatal e ameaçando a ordem pública. Depois a coisa vira um caos e descamba para o uso da força: entram em cena os coturnos, as fardas, os fuzis e os tanques de guerra.
Haja vista que a organização do “evento pueril” de 8 de janeiro de 2023 tentou previamente aliciar os comandantes das Forças Armadas a embarcar na aventura golpista alheia à Lei Maior do País, a Constituição.