
A partir deste 2023, com atraso de meio século, há um curso com formação exclusivamente em Jornalismo na faculdade de Comunicação que mais custa, em termos orçamentários, para a sociedade brasileira na Bahia. Antes, e até o final do ano passado, o que existia era uma habilitação em Jornalismo num bacharelado amplo, genericamente chamado de Comunicação.
Talvez, e sublinho talvez, daquela distorção decorre a pobreza do jornalismo de hoje em dia. Hoje em dia esse que já dura décadas e décadas, como ressaltado aqui faz tempo.
Ainda agora os únicos três jornais, se é que podem sem assim nominados, sediados em Salvador, omitiram de seus leitores um fato que seria destaque em qualquer lugar.
O ocupante do cargo mais poderoso do país, o presidente da República, em visita à “Bahia Farm Show”, um dos maiores eventos de negócios agrícolas da América Latina, foi recepcionado aos gritos de “Lula, ladrão!” por uma pequena multidão de agricultores e assemelhados, no município baiano economicamente poderoso chamado Luís Eduardo Magalhães, fronteira agrícola oeste próxima à capital da República, Brasília.
Nos sites e nas edições impressas de 7 de junho, dia seguinte ao acontecimento, nada se lia do episódio em A Tarde, cuja edição impressa minguou para 12 páginas, veículo outrora influente e mais antigo, alinhado ao governo de plantão no estado, domínio do Partido dos Trabalhadores. Ou na Tribuna da Bahia, com suas raquíticas 8 páginas preenchidas em 80% por press releases e textos de estagiários.
A edição do Correio*, atualmente o veículo mais robusto, embora deficitário, pertencente ao conglomerado Rede Bahia, de rádio, televisão (retransmite a Globo), gráfica, construção civil, produtoras de conteúdos e festivais musicais etc., timidamente ousou registrar os apupos: “Lula enfrenta protesto, vaias e boicote de produtores na abertura da Bahia Farm Show“, escreveu sem muitos detalhes na matéria.
Mas não apenas os grupos de mídia baianos, todos capengando, abandonaram o jornalismo de qualidade. Folha de S. Paulo também não enxerga como notícia um presidente da República empossado há 4 meses ser chamado de “Lula, ladrão” por onde circule. Tampouco o “Jornal Nacional” da TV Globo.
Ninguém quis ouvir os manifestantes da Bahia Farm Show para saber as suas razões de protesto. Foram logo carimbados de “bolsonaristas”, em alusão ao ex-presidente Jair Bolsonaro, retirando qualquer legitimidade de suas críticas ou altercações.
Ser lulopetista é o que conta no estágio atual do jornalismo brasileiro, não importa quão irracional e cínico tal posicionamento partidário…
- NA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
O autor dessas mal-traçadas está escalado para lecionar “História do Jornalismo”, no curso remodelado a partir desse primeiro semestre. Turma de quase 40 jovens, a maioria alunos recém ingressantes com suas altas expectativas.

Procuro, já nas primeiras semanas, confrontar as ilusões quanto aos brios e êxitos individuais da profissão mandando ler, entre outros, Honoré de Balzac (“Os jornalistas“), Paulo Francis (“A segunda mais antiga profissão do mundo“), Stuart Mill (“Ensaio sobre a liberdade“). Ler “O jornalista e o assassino“, de Janet Malcolm, “Escola Base“, de Emílio Coutinho.
Peço para examinarem o Marco Civil da Internet em vigor no Brasil desde 2014, sua necessidade de aprimoramento que não significa tomar partido a favor da aprovação acrítica do “Projeto de Lei das Fake News”, que o governo Lula deu regime de urgência para aprovação.
Nos recentes três milênios da presença dos grupos humanos em sociedade, o que na era contemporânea a sociologia anglosaxônica determinou “fake news” sempre funcionou na forma de comunicação oral conhecida por “boato”.
Recomendo-lhes o livro de Asa Briggs & Peter Burke, “Uma história social da mídia – de Gutenberg à Internet“, onde se lê (p.37),a propósito da passagem da Idade Média para o Renascimento e a Ilustração na Europa:
“Os boatos foram descritos como ‘um serviço postal oral’, funcionando com velocidade admirável. As mensagens transmitidas nem sempre eram espontâneas: algumas vezes se disseminavam por motivos políticos e, em tempos de conflito, um lado regularmente acusava o outro de espalhar boatos. (…)”
Boatos e fake news são a mesmíssima coisa, válida como meio de comunicação social. Não é o todo poderoso Estado que deve tutelar o que o cidadão cônscio, adulto, pode ou não ler, ver e ouvir. O demais é assunto privativo da escolha do indivíduo, pais ou responsáveis.
Para um registro de como, no espaço universitário brasileiro, até nas faculdades de jornalismo busca-se bloquear à base de força e ameaças institucionais o livre debate de ideias, a divergência e o contraditório, indico aos alunos visitar os registros recentes do que ocorreu na Facom/UFBA com o jornal-laboratório dessa faculdade.
Remeto-os a leitura de artigo e réplica publicados no Observatório da Imprensa, coordenado pelo jornalista Alberto Dines, reformulador revolucionário do projeto editorial do Jornal do Brasil.
Brilhante, muito bom utilizar a história para ir aos fundamentos das instituições, das criações humanas