Estudantes da matéria “História do Jornalismo” na sede da Associação Bahiana de Imprensa, em aula proferida por membros da ABI sobre a história do jornalismo na Bahia, a 17/04

A partir deste 2023, com atraso de meio século, há um curso com formação exclusivamente em Jornalismo na faculdade de Comunicação que mais custa, em termos orçamentários, para a sociedade brasileira na Bahia. Antes, e até o final do ano passado, o que existia era uma habilitação em Jornalismo num bacharelado amplo, genericamente chamado de Comunicação.

Talvez, e sublinho talvez, daquela distorção decorre a pobreza do jornalismo de hoje em dia. Hoje em dia esse que já dura décadas e décadas, como ressaltado aqui faz tempo.

Ainda agora os únicos três jornais, se é que podem sem assim nominados, sediados em Salvador, omitiram de seus leitores um fato que seria destaque em qualquer lugar.

O ocupante do cargo mais poderoso do país, o presidente da República, em visita à “Bahia Farm Show”, um dos maiores eventos de negócios agrícolas da América Latina, foi recepcionado aos gritos de “Lula, ladrão!” por uma pequena multidão de agricultores e assemelhados, no município baiano economicamente poderoso chamado Luís Eduardo Magalhães, fronteira agrícola oeste próxima à capital da República, Brasília.

Nos sites e nas edições impressas de 7 de junho, dia seguinte ao acontecimento, nada se lia do episódio em A Tarde, cuja edição impressa minguou para 12 páginas, veículo outrora influente e mais antigo, alinhado ao governo de plantão no estado, domínio do Partido dos Trabalhadores. Ou na Tribuna da Bahia, com suas raquíticas 8 páginas preenchidas em 80% por press releases e textos de estagiários.

A edição do Correio*, atualmente o veículo mais robusto, embora deficitário, pertencente ao conglomerado Rede Bahia, de rádio, televisão (retransmite a Globo), gráfica, construção civil, produtoras de conteúdos e festivais musicais etc., timidamente ousou registrar os apupos: “Lula enfrenta protesto, vaias e boicote de produtores na abertura da Bahia Farm Show“, escreveu sem muitos detalhes na matéria.

Mas não apenas os grupos de mídia baianos, todos capengando, abandonaram o jornalismo de qualidade. Folha de S. Paulo também não enxerga como notícia um presidente da República empossado há 4 meses ser chamado de “Lula, ladrão” por onde circule. Tampouco o “Jornal Nacional” da TV Globo.

Ninguém quis ouvir os manifestantes da Bahia Farm Show para saber as suas razões de protesto. Foram logo carimbados de “bolsonaristas”, em alusão ao ex-presidente Jair Bolsonaro, retirando qualquer legitimidade de suas críticas ou altercações.

Ser lulopetista é o que conta no estágio atual do jornalismo brasileiro, não importa quão irracional e cínico tal posicionamento partidário…

  • NA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

O autor dessas mal-traçadas está escalado para lecionar “História do Jornalismo”, no curso remodelado a partir desse primeiro semestre. Turma de quase 40 jovens, a maioria alunos recém ingressantes com suas altas expectativas.

Convidada fala aos estudantes como parte do conteúdo da disciplina do novo curso

Procuro, já nas primeiras semanas, confrontar as ilusões quanto aos brios e êxitos individuais da profissão mandando ler, entre outros, Honoré de Balzac (“Os jornalistas“), Paulo Francis (“A segunda mais antiga profissão do mundo“), Stuart Mill (“Ensaio sobre a liberdade“). Ler “O jornalista e o assassino“, de Janet Malcolm, “Escola Base“, de Emílio Coutinho.

Peço para examinarem o Marco Civil da Internet em vigor no Brasil desde 2014, sua necessidade de aprimoramento que não significa tomar partido a favor da aprovação acrítica do “Projeto de Lei das Fake News”, que o governo Lula deu regime de urgência para aprovação.

Nos recentes três milênios da presença dos grupos humanos em sociedade, o que na era contemporânea a sociologia anglosaxônica determinou “fake news” sempre funcionou na forma de comunicação oral conhecida por “boato”.

Recomendo-lhes o livro de Asa Briggs & Peter Burke, “Uma história social da mídia – de Gutenberg à Internet“, onde se lê (p.37),a propósito da passagem da Idade Média para o Renascimento e a Ilustração na Europa:

“Os boatos foram descritos como ‘um serviço postal oral’, funcionando com velocidade admirável. As mensagens transmitidas nem sempre eram espontâneas: algumas vezes se disseminavam por motivos políticos e, em tempos de conflito, um lado regularmente acusava o outro de espalhar boatos. (…)”

Boatos e fake news são a mesmíssima coisa, válida como meio de comunicação social. Não é o todo poderoso Estado que deve tutelar o que o cidadão cônscio, adulto, pode ou não ler, ver e ouvir. O demais é assunto privativo da escolha do indivíduo, pais ou responsáveis.

Para um registro de como, no espaço universitário brasileiro, até nas faculdades de jornalismo busca-se bloquear à base de força e ameaças institucionais o livre debate de ideias, a divergência e o contraditório, indico aos alunos visitar os registros recentes do que ocorreu na Facom/UFBA com o jornal-laboratório dessa faculdade.

Remeto-os a leitura de artigo e réplica publicados no Observatório da Imprensa, coordenado pelo jornalista Alberto Dines, reformulador revolucionário do projeto editorial do Jornal do Brasil.