Navegação pelo rio Elba em Hamburg, Deutschland (foto: Shoichi Iwashita)

A maior ressaca que o mocinho encarou na vida doce vida, depois de três dias e meio consecutivos de festas. Em Hamburg, a segunda maior depois de Berlin, tida, ao lado de München (Munique) por cidade/estado mais rico da riquíssima Alemanha.

Estava, pela primeira vez em sua já atribulada presença no planeta Terra, junto à gente rica germânica: elegante, cheirosa e de finos tratos. Por destino ou sorte, gente de mente aberta, eleitora do Partido da Social-Democracia, progressista, anti-nazista e culta.

Para a comemoração dos 60 anos de idade da mãe de sua namorada deslocaram-se a Hamburgo convidados de diversos países. Da Europa, Ásia e das Américas, incluindo os Estados Unidos e o Canadá.

Por ele a filha única, caçula da anfitriã, estava generosamte apaixonada desde que três anos antes se cruzaram na cidade do México.

Era o único neguinho no meio da nobreza… Por obvio, não um negro pé-de-chinelo, macumbeiro ou capoeirista: nada contra, cada um se vira como pode. Ele, pretenso intelectual, embora de lugar longínquo ao sul do equador.

Festa iniciada na quinta-feira, com intensa programação na sexta, no sábado e, por fim, no domingo. Tudo pago, ou quase isso, pela aniversariante maravilhosa em seus requintes.

Semanas antes ele havia confortavelmente recebido em Salvador da Bahia o cartão-convite, acompanhado das passagens aéreas de ida e volta a Berlin. Onde a namorada residia, concluindo que estava o curso de medicina na mais disputada escola de Medicina da Alemanha, que ali somente admite quem é top, a nata dos estudantes alemães que disputam uma cadeira.

Aliás, em mês anterior ao evento, a sogra, de rápida visita a negócios por Berlin, ocasião em que ele também ali se encontrava no aconchego da namorada, aceitara a sugestão da filha e os três foram juntos a um night club especializado em tango.

Enviuvada cedo, estava desacompanhada – apesar de não faltarem pretendentes, of course!. Incentivados pela filha, dançaram tango revezando-se os três. Berlin tem dessas coisas: é pobre mas é sexy, para citar o então prefeito da cidade.

Um outro mundo, uma outra ambiência. De muito esforço, dedicação, trabalho, estudos…

Impressionada com a histórica entropia definidora do Brasil, a jovem estudante dizia: a Alemanha não tem os recursos naturais que seu país tem. A diferença é que, para superar as carências naturais, aqui temos de investir em cérebros. Essa é a política de estado.

Lembra um hino pátrio: “Deitado eternamente em berço esplêndido!” E tome-lhes migalhas!

Ela não poderia dizer-se milionária, pois ele testemunhou o quanto ralou para tornar-se Ärztin. Mas em seus 24 anos ela já pagava de imposto de renda em torno de 100 mil euros por ano!

Herdeira, ao lado do irmão poucos anos mais velho, à época bem colocado em multinacional holandesa com filial em país europeu, de saudável fortuna. Mais não se pode dizer sem ferir a discrição, pois, ao contrário de outros os ricos alemães não são jamais exibicionistas.

Para ir de Berlin ao aniversário em Hamburgo a namorada alugou um carro. Junto com uma prima de idade próxima, residente em Düsseldorf, dividiu o volante. Não fizeram uma viagem direto, ponto a ponto.

Tinham de visitar uns parentes moradores de uma vila com castelos que ficava no caminho. (Alemanha quase não tem, propriamente, “zona rural”. É densamente ocupada por 83 milhões de habitantes, em área geográfica muito menor que a da Bahia).

A idosa que as recebeu na mansão de frondosos jardins e móveis aristocráticos serviu chá e coisas que tais, enquanto conversavam. Demonstrou enorme satisfação de receber, presenteando as duas jovens com envelopes onde colocou algumas notas grandes de euro (elas abriram de volta ao carro), antes da despedida.

Os três seguiram viagem. A casa da mãe, em área nobre de Hamburgo, foi o palco para o drinque de boas-vindas, vinho espumante resfriado, às três ou mais dezenas de convidados e convidadas vestidos à caráter. O exército de garçons serviu depois os canapés e acepipes.

Dadas as boas-vindas e recepcionados os gifts à aniversariante, os convivas e as convivas, todos alojados em hoteis estrelados em áreas ao redor (exceção do genro, com direito a um quarto na residência), se retiraram.

Restou a família: a anfitriã, seu filho com a noiva, sua filha com o noivo. Então foi servido o primeiro jantar de aniversário, restrito a esses.

O programa de comemoração de 60 anos de Margareth prosseguiria na manhã, tarde e noite de sexta e de sábado. Incluia tour por museus e pela recém renovada área do pujante porto da cidade-estado, almoços em restaurantes de grife.

Passeio de barco pelo rio Elba, até uma ilha exclusiva, local do baile comemorativo que varou a noite daquele sábado. A diversão foi efusiva, as conversas eram alegres, as garrafas de vinhos rotulados eram fartas, mais até que as cervejas. E a companhia sedutora, amorosa…

Resultado? Ressaca cavalar! O cara foi acordado pelos sons de um piano, com alguém tocando talvez Schubert ou Liszt (tinha certeza não ser Chopin) no domingo.

Resmungando, sentia as pálpeberas pesadas, um elefante sentado na cabeça. Não demorou e a namorada veio vê-lo, abrindo a porta com cuidado. O volume da música e de vozes tomou o ambiente.

Aconchegou-se aos grossos lençóis brancos e comunicou já passar de uma da tarde. Bebeu mais água gaseificada. Conseguiu ir ao banheiro banhar-se, escovar os dentes, vestir-se adequadamente. Numa das salas iluminadas pela luz natural do sol alguém tocava o piano, alguém cantava para uma pequena audiência, incluindo a aniversariante.

Estavam servindo um brunch, com frutas variadas, queijos fartos, sucos, pães e café filtrado. A ressaca matava o sujeito, comer alguma coisa daquilo nem pensar. Precisava era de uma dose de cafeína brutal, não apenas uma mas quantas necessárias para aplacar o enjôo, o fastio da ressaca.

A namorada sabia das manias dele, sua tara à época pelo espresso duplo “extra-hot” com leite sem espuma do Starbucks, mais café que leite, bitte!

Seattle, primeiro Starbucks

Desculpando-se não poder acompanhá-lo naquele instante, segredou-lhe ao ouvido haver nos arredores uma cafeteria Starbucks do jeito que ele gostava. Daria um jeito de ir a seu encontro depois. Danke!, ele agradeceu.

Falou com a anfitriã e deu um jeito de retirar-se à francesa até uma tábua de salvação… no caso, a cafeteria Starbucks!

O sujeito emulou Ricardo 3º, na cena final de Shakespeare: “Meu reino por um Starbucks!”. Fosse por nada, a cada café sorvido na mundialmente conhecida rede Starbucks, alguns euros pingavam nas finanças da sogra, proprietária de ações da empresa fundada em Seattle, USA.

Ressaca igual àquela de Hamburg, nunca mais!

Razões diversas levaram-no a tirar do poleirinho do céu uma alminha ansiosa, apesar das misérias do mundo, por descer à Terra, sob os auspícios de outra ventura mais pé no chão. Era para assim ser. C´est la vie!

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