A MORTE DE PHILIP ROTH tem maior importância para o universo e me afeta muito mais do que mesmo a maior tragédia que se abatesse sobre mim no momento.
Se minha cara-metade, a quem devoto todos os esforços de carinho, chegasse hoje em casa e dissesse que está me dando o fora, isso seria assunto de melodrama. Nada mais.
Esse tipo de ofício, o de escritor universal, é nada agradável. Roth o demonstrou até sua morte esta semana, a qual ele próprio parecia desejar.
Estadunidense e judeu, ele falava do lado sombrio da alma, da hipocrisia de indivíduos e grupos sociais. É o que interessa tratar aqui.
Mais: de uma espécie de falsa ideologia “progressista”: a vitimologia.
Roth lidou com o tema em várias de suas ficções. Numa delas, The Human Stain (literalmente A Mancha Humana), transformada em filme, no Brasil intitulado, nada a ver, “Revelações”.
Com Anthony Hopkins e Nicole Kidman, está ali um renomado professor universitário envolvido com acusações de racismo na universidade da qual foi expulso por tal motivo, passando-se por judeu e sendo, no decorrer da estória veremos, alguém que esforçou-se a vida inteira para esconder suas origens afro-americanas.
Vitimologia: eis um típico subproduto de uma pseudo-esquerda. Que, para barganhar adesão e votos dos chamados “excluídos”, flerta com as carências materiais e afetivas desses.
Isso é feito por meio de manipulação retórica. Os defensores dos “fracos” e “oprimidos” garantem que a miséria da vida desses é “fruto” do “sistema”. Do “capitalismo”. Do “patriarcado”. Do “racismo”. Do “machismo”.
Trata-se de demagogia de uma esquerda não-marxista, porque em existência e em seus escritos Karl Marx não dava bola a essas asneiras.
As chamadas vítimas querem mesmo ultrapassar o seu status quo? Querem aprender, ler, entender o que se passa? Seus supostos “defensores” permitiriam isso, perdendo um curral de fiel audiência que os aplaude?
O economista Thomas Sowell, afro-americano repudiado como “conservador” pelos “democratas”, afirma:
Por comparação, as evidências de retrocesso social demonstram que os “liberais” [no Brasil, os “progressistas”] causaram mais destruição aos negros do que o suposto “legado da escravidão” de que falam.
“Excluídos” são uma categoria sociológica que ganhou papel de relevância no imaginário social ao menos desde os romances de Charles Dickens (1812-1870). Nenhuma alma sensivelmente cristã passa incólume pela leitura de seu Hard Times (Tempos Difíceis,na tradução de pindorama).
Se você é negro, ou mulher, ou palestino, ou não-heterossexual é compulsoriamente vítima. Mesmo se não aceitar o rótulo, os comissários e porta-vozes daquela pseudo-esquerda irão enquadrá-lo ou dizer ser você um Herodes.
Assim é que testemunhamos uma sociedade na qual por ser homossexual, negro ou mulher – com todas as nuances de tais categorias – o indivíduo pura e simplesmente crê-se detentor de direitos. De forma automática. Pelo fato de Judith Buttler, Jessé de Souza ou – nossa mãe! – o “Coletivo” disso e daquilo determinarem.
- A TV GLOBO, empresa privada, resolve ambientar uma de suas telenovelas na Bahia. Os “Coletivos” e os comissários das repartições públicas – os quais não têm a responsabilidade de gastar semantemas com inexoráveis leis de mercado – protestam.
O motivo do protesto: a TV Globo não escalou atores e atrizes negros em números que comissários e “coletivos” querem impor àquela empresa.
Torna-se até ridículo falar do assunto. Se os negros brasileiros querem se ver na televisão, por que então não montam a sua própria TV?
Por que não exigem que as emissoras do Estado, como as educativas e culturais, absorvam atores e atrizes negros em sua programação, no número que achem conveniente?
Então o setor privado, do qual a TV Globo faz parte, tem de agir movido por filantropia? Por considerações de ordem moral ou humanística em nome dos desfavorecidos raciais?
A Rede Globo não tem qualquer obrigação contratual de escalar atores pelo critério da cor da pele e opção sexual para suas novelas, diferentemente de um cônjuge ter obrigação de manter o outro.
A Globo é a emissora que mais emprega ou contrata negros no Brasil. Em várias funções, de contra-regras a técnicos de iluminação, passando por âncoras e apresentadores de jornais importantes do grupo.
Além de, nos recentes dez anos, ter favorecido atores como Lázaro Ramos e semelhados. Ali, casado com Taís Araújo, lucra os dividendos de seu perfil de afro-baiano, com oportunidades incomuns para outros com talento parecido.
“Excluídos”, a Globo é escancaradamente aberta a gays, lésbicas, travestis e o diabo a quatro! Que na emissora, por absoluta competência profissional, fazem carreira brilhante distinta de quaisquer outras empresas concorrentes da área.
Mesmo entre os pares com os quais divido o espaço universitário, não é incomum o apelo à condição de “raça”, de “gênero”, “de sexo” como tentativa de auto-defesa e contestação a resultados que os desagrade. Nada a ver com a questão de mérito propugnada nesse tipo de instituição.
Recentemente um colega, membro de um coletivo queer, acusou de “homofobia” o resultado negativo a um pleito seu, feito a uma comissão da qual sou parte. O que entendi como uma chantagem e, assim, de pronto repeli.
Ocorre que o discurso da vitimologia é mesmo chantagista. A chantagem da vítima tornou-se um valor de mercado nos dias correntes.
A vítima somente quer saber que tem direitos. Peremptoriamente adquiridos. Nenhum dever em troca. Nada de responsabilidades. É uma negociata que faz.
Nada de dar duro, esforçar-se na busca de conquistas que a retire, autonomamente, do seu estado inferior e servil.

Protesto recente contra Israel na Faixa de Gaza: onde a competência da dividida liderança palestina?
O PORTUGUÊS da padaria já ensinou desde tempos imemoriais: quem não tem competência não se estabelece. Nem como empregado, nem como patrão, nem como chefe, nem como líder, nem como mulher, nem como marido.
A escassez é a primeira das leis da economia, lembra Sowell. Repudiada pelo pregador da demagogia política que promete felicidade e abundância para todos – como um prêmio da loteria do céu.
A natureza contraria a retórica. Jamais haverá tudo, nem amor nem pão nem paz, em abundância da mesma forma para todos. Alguns têm sorte, outros nascem com talento. Talento é nato, não se adquire. É possível chegar perto, com muita dedicação.
A maioria sem talento e sem sorte – como é o caso desse escrevinhador -, tem mesmo é de trabalhar, e duro. Todo o tempo, se quiser deixar de ser boiada, maria-vai-com-as outras, ou vestir o figurino de coitadinho injustiçado pelo sistema.
Perfeito!
“Por comparação, as evidências de retrocesso social demonstram que os ‘liberais’ [no Brasil, os ‘progressistas’] causaram mais destruição aos negros do que o suposto ‘legado da escravidão’ de que falam..”
Que bem faz a leitura de Thomas Sowell…
É bem verdade que o discurso da vitimologia tem se tornado um instrumento de chantagem nas mãos de todo e qualquer malogrado que, por indolência ou falta de obstinação, busca esconder-se sob a égide dos “excluídos”. Tal como uma bengala para os coxos. Não pretendendo com isso, entretanto, negar a existência da exclusão, que é uma resultante inevitável do modo de produção capitalista.
Entretanto, algumas contradições da sociedade não devem ser naturalizadas. As emissoras de televisão, por exemplo, são uma concessão pública, ainda que mantidas e dirigidas pela iniciativa privada; devem ter responsabilidades sociais quanto à representatividade da diversidade racial formadora da sociedade brasileira.
É obvio que a competência é um fator fundamental para aqueles que buscam estar entre os primeiros e os melhores em um modelo econômico que privilegia a livre concorrência, contudo não há como negar que mais de três séculos de escravidão tornaram essa disputa desfavorável aos negros. Ademais, muitos fizeram fortuna à custa da exploração da mão de obra negra escravizada e, hoje, seus descendentes usufruem desse legado construído durante a escravidão e transmitido ao longo das gerações.
Por isso, nem muito nem tão pouco. O discurso da vitimologia existe, mas as contradições sociais que afetam os negros no Brasil também são nefastas.