DEPOIS DE QUASE um ano morando em Lisboa, regresso a Salvador da Bahia. Somente não caio em depressão porque tenho quem me ama, me beija na boca e comigo divide o jantar.

Por toda parte a ambiência é de velório. Fanatismos não apenas religiosos. Escassez de autonomia no debate de ideias. Vassalagens em nome de boas causas. As quais, sabidamente, são artifícios clientelistas.

Pensar de forma livre e independente tornou-se obsoleto, démodé. Ai de quem tente! Será encurralado tal cão leproso, anticristo suspeito de favorecer as injustiças sociais perpetuadas há mais de 500 anos! O sebastianismo vigente não deve ser contradito. Exige a conversão – pelo grito, pela humilhação ou pelo isolamento – dos céticos.

O pefeito, a vice-prefeito e o secretário de Saúde à direita

O prefeito, a vice-prefeita e o secretário de Saúde à direita (o da esquerda, who is?)

PROCURO O POSTO de atendimento da favela onde nasci e aprendi o bom combate, Calabar. Para, exigência oficial e direito meu, requerer o cartão nacional do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em alguns minutos constato: tudo ali é tutelado. Privatizado por interesses do vereador fulano de tal. Aliado do Secretário. Do prefeito. Do bispo? Indica ou remove. Da coordenadora ao administrador do posto mantido pelo dinheiro público.

Disponibiliza ou dificulta o acesso a consultas, a medicamentos e assistência. Facilita ou penaliza quem necessita de atendimento. Se numa das comunidades mais organizadas da capital é assim, imagine em outras bandas!

Abro o jornal e tenho o desprazer de ler artigo de um ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Ele, que antes queria o Brasil uma ditadura “do proletariado” à moda albanesa, diz-se agora democrata convicto.

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Poster de dois sanguinários “ditadores do proletariado”, Mao da China e Enver Hoxha da Albânia, modelo de sociedade defendido na ditadura militar para o Brasil pelo ex-presidente da ANP

Será por que tirou um cartão premiado de loteria? O cargo na ANP com os polpudos jetons equivale a isso, ganhos por ele ser dono de um curral partidário, eleitoralmente minúsculo, que controla a chicotadas em nome do “centralismo democrático” stalinista.

O sujeito, um dos primeiros beneficiados em consequência de ato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que chancelou pedidos de indenização, aposentadorias e pensões vitalícias estatais a favor de quem “combateu a ditadura militar” de 1964, acusa “a midia”, “a direita” e “forças conservadoras”.

Diz ser tentativa de “golpe” da zelite o que todo o mundo assiste nauseabundo: o noticiário das investigações da chamada Operação Lava Jato, comandada pelo juiz federal Sergio Moro. [clique no site do MPF para saber]

Um colega que se quer ativista do movimento negro e candidato a intelectual (um contrasenso: filiou-se ao Psol faz dois anos), repete a mesma cantilena.

A crise atingiu o seu bolso, porque tem dificuldades em dividir a conta do bar. Mas a empáfia, ou seria cegueira, dessa gente, quer mobilizar “uma frente nacional da comunidade negra” no “repúdio aos golpistas de direita”.

É de chorar. Pela mendicância dos argumentos. Pela idade avançada e pelos dentes careados dos argumentadores. Não fosse pelo nome no SPC e na Serasa. Enquanto isso, José Dirceu e Lulinha filho mandam lembranças…

Mais deprimente, apenas a farsa do resultado do inquérito encomendado pelo governador Rui Costa, sobre a ação da Rondesp no Cabula. Que sustenta a sua – dele, governo do PT, candidato que mais recebeu dinheiro de empreiteiras na campanha que o elegeu em 2014 – tese inicial. A sua polícia genocida age como um artilheiro diante do gol, em “legítima defesa”, diferentemente da conclusão do Ministério Público Estadual.

Seria um "factóide" da mídia? Trabalhadores, aos milhares, demitidos com o fechamento de estaleiro na Bahia e no Brasil, por conta da crise na Petrobras

Seria um “factóide” da mídia elitista? Trabalhadores, aos milhares, demitidos com o fechamento de estaleiro na Bahia e no Brasil, por conta da crise na Petrobras

NA FANTASIOSA MENTE dos inquilinos do governo, seria “factóide” midiático (da Rede Globo?, da revista Veja?, da bula do meu Prozac?) o modus operandi da quadrilha ramificada na estrutura de cúpula de todos os grandes partidos políticos, empreiteiras e sistema financeiro, a partir da corrupção sistêmica na Petrobras.

Obviamente implantada não pelo governo de plantão, que chegou ao poder com a vitória de Lula em 2002. Os que lutaram e lutam contra isso não podem dobrar-se a essa realidade e tê-la como justificativa de sua permanência.

O que o atual conglomerado partidário fez foi aperfeiçoar um esquema já existente, profissionalizando a corrupção na maior empresa brasileira de petróleo, aperfeiçoando-o e institucionalizando-o em benefício privado de alguns.

Consequência? Por sua importância econômica, social, empregatícia, a Petrobras em crise – prejuízo contabilizado em mais de  $60 bilhões, 10% de dinheiro de propinas esvaído em dutos para bancos no exterior – vira uma bola de neve que prejudica toda a economia brasileira. Prejuízo para milhões.

É questão de tempo, também leio. Os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente Renan Calheiros e Eduardo Cunha, em breve terão as patas cortadas pelo Supremo Tribunal Federal, a pedido do Ministério Público. Ambos são do PMDB do vice-presidente eleito na chapa de Dilma Rousseff.

São investigados na mesma Operação Lava Jato, como o são João Leão, vice de Rui Costa, e Mario Negromonte, os dois do PP. Este último agraciado pelo atual ministro da Defesa Jacques Wagner, então governador da Bahia, em cargo de membro do Tribunal de Contas no Estado. Raposa no galinheiro.

ergo sumASSIM CAMINHA A HUMANIDADE. Assim caminha a luta dos que desconfiam das boas intenções dos poderosos ou dos subalternizados. Das más, sabemos.

Passo a passo, assim pode-se construir uma sociedade menos predatória do bem público. Menos mística.

Assegurado o amplo contraditório, da exposição dos desmandos emerja uma consciência menos submissa aos chavões.