A PROPÓSITO de reportagem que acabo de ouvir na Rádio Gaúcha, emissora do Rio Grande do Sul que há tempos coloquei na minha barra de preferências, lembrei de um poema que cometi aos vinte e tal anos, como se diz no português aqui de Portugal.
A notícia informava sobre os milhares de imigrantes africanos que, desde a Copa da Fifa de 2014, estão chegando ao Rio Grande do Sul e a Santa Catarina. E sobre a leva de haitianos que, ingressados pelo Acre, está sendo enviada para o sul pelo governo acreano neste exato momento em caravanas de ônibus fretados pelo governador Tião Viana.
Ué, não é a Bahia a “Mecca Negra”? Não é aqui que a Secretaria de Cultura e seus anexos nas universidades festejam a tal da “economia criativa” bantu-nagô? Místico-carnavalesca, ileayesca, teatrobandolodunística? Axé-baba!
Por que Tião Viana (PT) não expele aqueles párias a essa “terra da felicidade”, também governada por seu partido? O Rio Grande do Sul está com o PMDB, São Paulo – outro destino dos expulsos do Acre – com o PSDB, Santa Catarina com o PSD.
Veja: até este domingo, numa viagem estimada em quase 48 horas, Porto Alegre receberá estimados 440 haitianos-senegaleses, homens, mulheres e crianças, dessa forma. Clique para ler detalhes em matéria do jornal Zero Hora.Os africanos vêm de Gana e do Senegal, países edulcorados na mística dos blocos afros baianos, escolas de samba cariocas, em vozes como a de Daniela Mercury. Ser negão no Senegal, ela canta a música de Chico Cesar, deve ser legal…
Eles partem com passaportes falsificados da África do Sul. É o único país do continente africano que mantém acordo de reciprocidade com o Brasil para não necessidade de vistos de entrada.

Por que a “Bahia Criativa” (para os negócios de uns) não recebe, além do DJ Sankofa, nossos irmãos de raiz?
Chegam pelo aeroporto de Guarulhos e se mandam para o Rio Grande ou para Santa Catarina. Neste Estado, apenas na cidade de Criciúma, se instalaram desde a Copa mais de 1.000 ganenses. Parece que, por enquanto, a indústria frigorífica tem conseguido absorver essa mão de obra.
No Rio Grande seu destino preferencial tem sido Caxias do Sul, pólo automobilístico-mecânico que, entretanto, já se encontra em crise de desemprego. Aí a maioria é do Senegal.
Um delegado entrevistado declarou que até agora as investigações não descobriram nenhum esquema ainda de tráfico de pessoas ou crimes congêneres. A repórter da Rádio Gaúcha disse que conversou com ganenses em Criciúma e com senegaleses em Caxias.

Deve ser legal ser negão no Senegal mas, no país muçulmano, esta doce cena da cantora, aplaudida por deputados em Brasília esta semana, seria simplesmente impensável ou punida a chicotes
Informam que depois que ingressam no Brasil, destroem a documentação falsa e requisitam asilo político ao país – um direito assegurado por leis e tratados internacionais..
O imigrante foge da fome, das guerras, das perseguições, das misérias de sua terra de origem. Sempre foi assim. Em todas as eras, diuturnamente.
Danila de Jesus e eu os vimos – inclusive brasileiros – em nossa volta ao mundo em 2012. Com ar fatigado. Apreensivos. Olhar de banzo e de suspeição em zonas escuras de Tokyo, em Atenas, nos muros do Vaticano, nas calçadas de Paris, em becos de Bruxelas e praças da Itália: ambulantes.
Como as centenas neste momento que vagam pelos mares, no sonho de chegar a um porto “amigo”. Eis porque a lembrança do poema. Reproduzo aqui, de orelhada, esquecido de versos. Pode ser lido no livro Amar Faz Bem Mas Dói (1998):
- São seres de outro planeta
- essas crianças com olhos de fome
- no vídeo de televisão do meu lar.
- E nós aqui no sofá:
- – Que temos com isso?
- – Que mal as fizemos?
- São filhos que não temos.
- Irmãos sem sentido
- de insignificante desterro
- que não queremos.
- Melhor mudar o canal na TV
- ver
- a novela das 8 da Globo ou ir
- lá dentro provar do pudim.
- Essas crianças de olhos famintos
- se do sertão ou do Cambodja
- não sei
- se turcas, ou das Canárias
- são filhos reais da ficção científica:
- Um monte de dores desnecessárias.