A escravidão moderna, sustentáculo da expansão do modo de produção capitalista, que no Brasil vitimou em torno de 4 milhões de seres humanos “importados” de regiões do continente africano, para não falar dos “pretos da terra”, os índios inicialmente, nunca mereceu tratamento adequado dos criadores e produtores das artes visuais nesse país.
Pois bem. Duas grandes produções do cinema estadunidense que concorrem ao Oscar neste 2013 tratam de coisas que dizem respeito a vocês, brasileiros festeiros: a escravidão humana nas Américas.
Só que a escravidão nos U.S., os Estados Unidos da América do Norte, hoje presididos por um negro. Por aqui, o cinema não trata de assunto tão sério. É de Ó Paí Ó, de E aí, Comeu?, de Cilada.com, ou De Pernas pro Ar que é feita a matéria prima principal das bilheterias do sucesso tupiniquim. É sacanagem e maniqueísmo estéticos pra ninguém botar defeito! Depois nos queixamos dos nossos congressistas…
Cineastas “negros” são só soberba e mais nada. Zózimo Bulbul, coitado, já bateu as botas semanas atrás sem deixar qualquer marca de criação nessa área. Cacá Diegues tentou alguma coisa no passado, mas algo totalmente infantilóide aos olhos e ao conhecimento complexo da atualidade.
Temos hoje em dia, nessa seara cinematográfica verde e amarela, uma imitação barata e rasa de Spike Lee, o nefrílego que atende por Jeferson De. E outro no mesmo paralelo, Joel-Zito Araújo. Ambos, ex-quase amigos caros da USP, às voltas com suas insubstâncias discursivas.
São uns frouxos, em termos de narrativa e temática cinematográficas. Jogam para a platéia, como se estrelas, mas morrerão sem deixar vestígios de seu cinema. Com eles, dezenas de outros pretensos “cineastas afrobrasileiros”, todos portadores da bandeira dos incompreendidos e maltratrados pela “falta de apoio e patrocínio”. Me conta outra.
O próprio Spike Lee, que andou atacando Tarantino gratuitamente, se transformou numa caricatura de si mesmo. É um diretor dos anos 90s, nada mais, unitemático e maniqueísta em sua tara esquemática da fórmula negros bons em luta contra brancos maus. Seu destino é este agora: vir ao Brasil no Carnaval desfilar no bloco Olodum e nas escolas de samba do Rio de Janeiro. Triste fim de carreira para um quase gênio.
Aqui, fortunas em dinheiro público, via financiamento direto ou de renúncia fiscal do governo, alimentam a conta bancária de diretores e produtores preguiçosos em sua criação. E o público se diverte ou com as palhaçadas dos besteiróis ou com as caricaturas de Cidade(s) de Deus ou Tropa(s) de Elite.
A ESCRAVIDÃO COMO ELA FOI
Enquanto isso, Django Unchained (desacorrentado, distinto de “livre” como quis a tradução pátria), de Quentin Tarantino, e Lincoln, de Steven Spielberg, querem discutir a história das atrocidades cometidas pelo escravismo que insiste em bater à nossa porta. É de dar dó comparar a arte cinematográfica dos U.S. com os arremedos de cinema dos “campeões” de bilheteria – Globo Filmes e seus áulicos – do Brasil.
São duas abordagens do mesmo tema. Spielberg centra sua narrativa em Abraham Lincoln, o lenhador e advogado que, eleito presidente, jogou os Estados Unidos em uma guerra civil que matou 2% da população do país. Faça as contas aos dados populacionais de hoje.
Não que ele acreditasse na igualdade “racial” entre os homens. Os negros no filme aparecem como coadjuvantes de sua história. O que Lincoln não quis, e joga todas as fichas, mesmo as mais sujas, nisso, foi que os U.S. se dividissem, depois que os rebeldes confederados do sul escravocrata declararam sua separação do norte da revolução industrial.
Tarantino inspirou-se no western italiano para escrever um roteiro original que girará em torno de um escravo, libertado por um imigrante alemão, caçador de foras da lei profissional em troca de recompensas. O Django de Tarantino é um vingador, em busca de sua mulher também escravizada nas plantations no sul estadunidense.
A radicalidade dos racistas norte-americanos está muito bem personalizada pela personagem de Leonardo diCaprio. Enquanto Samuel L. Jackson dá um show à parte como o fiel escravo que torce para a manutenção do status quo.
No Brasil, as abordagens propostas por Lincoln e Django são inimagináveis. Por incompetência e por má-fé de quem controla a máquina da indústria do entretenimento. Nada a ver com carência de recursos técnicos ou de dinheiro.
O tabu dos horrores de nosso escravismo colonial aguarda alguém com o acúmulo de testosterona e os cujones necessários para falar do assunto como o assunto está a merecer no cinema, como arte industrial por excelência dos séculos passado e do presente. Por enquanto, falemos das mazelas lá deles, já que supostamente nada temos a ver com isso. É como se comporta nossa intelligentsia de botequim.
Caro Fernando Conceição,
Eu, como vc diz pejorativamente, que devo me enquadrar entre os que “fazem carreira com cinema negro”, quando escrevo exponho a mesma quantidade de testosterona e cujones que vc apresenta neste seu texto impiedoso e irresponsável com os seus companheiros de jornada. E é, exatamente, por ter te considerado como um companheiro que me preocupo em escrever aqui.
Quando se trata de fazer filmes de ficção, o buraco é mais embaixo e não depende de testosterona nenhuma como aquelas que exibo em documentários como Negação do Brasil ou Raça, mas sim de financiamento, muuuuuuuito financiamento. Um mundo que vc finge ignorar. Que pena que seu cujones não tenham nenhum valor. Se tivessem, quem sabe eles não poderiam bancar um cinema tão macho como vc pleiteia.
Abraços
joel zito araújo
“Dezenas de cineastas afrobrasileiros”?!? Na verdade não há mais que meia dúzia deles…; e 1 ou 2 que conseguem de fato realizar longas-metragens e exibi-los. Mas talvez inflar essas cifras tenha sido o recurso imaginado pelo autor para eximir-se do dever de ofício de citá-los nominalmente… Sobrou imaginação, porque faltaram cujones…
Texto sensacional. É isso mesmo, Fernando. Uma ferida do tamanho do país e nada é retratado, documentado, mesmo que na ordem da ficção. Triste.
O Ministério da Cultura, lançou edital para artistas e produtores negros.Vamos ver o que vem por aí em produções cinematográficas!
O comentário do cineasta Joel Zito Araújo é bastante esclarecedor, mas ao mesmo tempo levanta algumas dúvidas. Segundo entendi, é possível realizar documentários com cujones, porque documentário, ao contrário de ficção, não exige “muuuuuuuito financiamento”. Mas o que a exigência de financiamento tem a ver com a “macheza” de uma obra? Será que a possibilidade de obter financiamento depende da dose de testosterona injetada no projeto? Será mesmo que Joel Zito está fazendo uso de seus cujones justamente para confessar que todo cineasta negro brasileiro, dadas as circunstâncias de mercado que envolvem a produção de filmes , deve abrir mão de sua integridade e resignar-se a realizar um cinema “efeminado”? A auto-castração seria um pré-requisito para o sucesso? Se for este o caso, o afrobrasileiro não tem mesmo qualquer motivo para esperar ver-se representado na tela por esse grupinho de emasculdos…
Mauro
Perdoem meu deslize. Mas a grande emoção de estrear no blog do professor Fernando Conceição me fez postar um comentário sem a devida revisão. Onde digitei “emasculdos”(?!), por favor, leiam “emasculados”… Thanks.
ps: Não é paradoxal?! Por não poderem contar com estruturas próprias de financiamento – por exemplo, a existência de um público de classe média negra que, ao comparecer às salas de cinema para assistir a filmes feitos com os “cujones “, garantisse o retorno financeiro desses projetos – , os cineastas afrobrasileiros, mesmo bem intencionados, tornam-se dependentes das injunções do mercado (branco…) e das fontes de recursos (brancas…), e acabam por produzir filmes que, ao edulcorar nossa realidade racial ou ignorar seus aspectos mais espinhosos, constituem verdadeiras peças ideológicas conservadoras! Mesmo involuntariamente, contribuem precisamente para a perpetuação daquela condição de dependência que os impede de fazer um cinema “macho”!
Foi justamente o excesso dos cujones e da testosterona que resultou esse texto, uma ejaculação precoce.
O reducionismo de listar problemas não significa analise e muito menos servirá de uma auto reflexão para os ”””soberbos””” cineastas negros.
Por favor, empresta os dedos da sua mão para contabilizar as dezenas dos cineastas negro que você pontua?