NOS PRIMEIROS dias do verão de agosto de 1444 desembarcavam em Lagos, cidadelazinha ao sul de Portugal, 235 negros capturados ao norte da África.
Aproveitei o feriado nacional de 10 de junho para ver in loco o cenário que deu início à maior tragédia humana da era moderna.
Aquela foi a primeira grande carga de africanos escravizados a entrar na Europa. E o começo da primazia lusitana no comércio e tráfico de pessoas em larga escala. Fonte basilar ao projeto colonial que fez de Portugal, sob bênçãos do Papa, “dono” da metade do mundo pelos seguinte cem anos.
Lagos faz parte da região conhecida por Algarve, cujo litoral é banhado pelo mar e pelo sol mediterrânicos. Foi a última porção territorial conquistada aos mouros pelos portugueses nas guerras e cruzadas cerca de duzentos anos antes do desembarque desses 235 africanos escravizados.
Hoje o Algarve é uma das áreas preferidas por turistas, astros e casais de aposentados do norte da Europa rica, que aí compram propriedades imobiliárias para aproveitar o bom clima.
Estive em Lagos, na praia que se chama Batata, onde aquela primeira grande carga teria aportado. Há controvérsias, adverte-me um secundarista que vende sorvete da Kibon (Ola) no calçadão.
Aguardava a carga o infante D. Henrique, que veio a cavalo de longe, juntando-se à pequena multidão de lavradores e hortelãos, para ver o espetáculo. Havia o interesse financeiro do príncipe sobre a partilha da carga: um quinto cabia-lhe.
O cronista oficial da corte de D. Afonso V, Gomes Eanes de Zurara, reportou a cena sem esconder a comoção:
- “Uns tinham as caras baixas e os rostos lavados em lágrimas, olhando uns para os outros; outros estavam gemendo mui dolorosamente, esguardando a altura dos céus, firmando os olhos em eles, bradando altamente, como se pedissem socorro ao Pai da natureza; outros feriam seu rosto com as palmas das mãos, lançando-se estendidos no meio do chão; outros faziam suas lamentações em maneira de canto, segundo o costume de sua terra, nas quais, posto que as palavras da linguagem não pudessem ser entendidas dos nossos, bem correspondiam ao grau de sua tristeza.”
Nessas águas oceânicas frias neste feriado de 10 de junho de 2015, banho os meus pés. Na parte superior do talude das rochas embelezadas por grutas onde a areia da praia termina, puseram a estátua de um sacerdote nascido em Lagos por aqueles tempos, canonizado como São Gonçalo.
Paramentada, a estátua estende ao mar um crucifixo, como se abençoando os que ali desembarcam. Esparramada pelas areias quentes, ou em tours de caiaques pela maré translúcida, a algaravia de turistas está provavelmente alheia àqueles fatos históricos.
Numa praça ao redor, a igreja de Santa Maria está de portas abertas. No seu centro a estátua, também olhando para o mar, é outra. É o infante D. Henrique, tendo por detrás o edifício onde funcionava o mercado de escravos, no momento em obras de manutenção.
Aquela primeira grande carga desembarcada (desde 1442 já se trazia escravizados para Lagos), tinha sido capturada ao sul do cabo Branco (Ras Nouadhibon, em árabe) por “seis caravelas bem armadas”, com pilotos experientes, sob o comando de Lançalote da Ilha, escudeiro do infante.
O historiador Arlindo Manuel Caldeira informa que a expedição deve ter conseguido tão volumoso contingente interceptando alguma caravana de mercadores muçulmanos procedente da África subsaariana.
Não foram os portugueses ou europeus os inventores da escravidão. Simplesmente aperfeiçoaram o processo, emprestando-lhe método científico na grande expansão do capitalismo mercantil, cujos reflexos nefastos urgem ser combatidos.
Leio que no Brasil o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e mesmo o Tribunal de Justiça da Bahia acabam de tomar medidas nesse sentido.
A partir de agora 20% das vagas de concursos para a magistratura e para serventuários de justiça no Estado são reservados a negros. Em Portugal, nada.
Leio sempre com gosto seus artigos, pelas informacoes e posicoes nele contidas, mas gostaria de acrescentar que a escravidao, resultado das querra de conquistas das cidades-estado na mesopotamia, surgiu juntamente com o excedente em funcao da adubacao e irrigacacao, a propriedade privada, a escrita, a especializacao e isso tudo que se costuma chamar de civilizacao…..
“Em Portugal nada”; foi assim que terminou. E porque acha que em Portugal deveria haver políticas semelhantes? Lamento dizer-lhe que está muito mal informado não só sobre a escravatura mas também sobre as razões pelas quais em Portugal não se adoptaram medidas similares às que o Brasil adoptou para integração. Não leia a sociedade portuguesa com as lentes que habitualmente se usam no Brasil sobre estas questões. Como homem culto que é só lhe fica mal.
se não foram os europeus os inventores da escravidão, certamente que foram os africanos, assim como os queijos comem os ratos.
Portugual com esta atitude deixou de ser à época um império evoluido pra ser um lixo na história. O encontro da malicia européa com povos ainda se desenvolvendo com seus conflitos e sua natureza, resultou na barbari potrificada lusitana, espanhola, holandesa entre outras. Se estes se dizem evoluidos, prefiro me assemelhar aos animais.