O geógrafo Milton Santos, que foi articulista da Folha, chama Otavio Frias Filho de "meu conterrâneo". Como assim?

O geógrafo Milton Santos, que foi articulista da Folha, chama Otavio Frias Filho de “meu conterrâneo”. Como assim?

Quando o entrevistei em sua sala no prédio da Folha para minha tese de doutorado, publicada como Mídia e Etnicidades no Brasil e nos Estados Unidos (2005), Otavio Frias Filho (OFF), filho do dono e diretor de Redação deste que é o maior jornal impresso em circulação do país, fumava como uma chaminé, sem parar.

No seu jeito blasé, de contumaz entediado com a existência humana, mais ainda com perguntas que eu lhe fazia, do tipo “por que a Folha não abre mais espaço em suas páginas para a análise e cobertura mais sérias sobre o racismo no Brasil”, respondia como quem solta um pum:

– Se os negros querem melhor cobertura, que procurem fazer seu próprio jornal.

Deixe-me logo dizer duas coisas. Há muito admiro OFF por considerá-lo corajoso, uma personalidade não tradicional e contraditória. Pegou a Redação ainda em fraldas como estudante na USP, na idade de 20 e poucos anos, das mãos do veterano Boris Casoy, depois da campanha das “Diretas Já” nos anos 80.

E, ao lado de uma equipe escolhida a dedo – Octavio Frias de Oliveira, seu pai, dando-lhe aval, e com  uma forcinha de banqueiros como os Safra (me asseverou o brasilianista Thomas Skidmore certa vez) -, é um manager vitorioso. Transformou a Folha na maior referência do jornalismo de credibilidade e pluralismo – liberalmente falando, na linha de Adam Smith. Sina ou fardo? Quem vai saber, se não suas “viagens” às portas da percepção entre céu e inferno?

A outra coisa: o aspecto reacionário da Folha no debate sobre os métodos a serem utilizados no combate ao racismo brasileiro que, cotidianamente, se manifesta das mais diversas maneiras. Ou seja, o liberalismo que este jornal diz professar tem seu limite materializado não na busca de registro – que faz de forma razoável – de fatos que nitidamente guardam a marca do preconceito negativo contra os negros no Brasil.

OFF e seu jornal não toleram conviver com pessoas que pensem em métodos diferentes do mantra que enunciam à exaustão desde a década de 90, quando a questão racial ganhou corpo no país com a tese das Reparações, que inclui políticas compensatórias de ação afirmativa – a exemplo das cotas. O problema do racismo no Brasil não é racial, mas social – uma falácia desmentida por fatos noticiados até mesmo pela Folha.

Talvez seja por isso que OFF mantém uma centena de colaboradores, articulistas, comentaristas e palpiteiros que não perdem a oportunidade, quando esta se apresenta, de atacar a tese que contradiz suas crenças sobre relações raciais no Brasil. Exceção feita a Elio Gaspari, que não depende da Folha para ser lido.

Marilene Felinto foi talvez a última dos moicanos da Folha

Marilene Felinto foi talvez a última dos moicanos da Folha

Não há, entre o plantel de articulistas da Folha, um colaborar fixo gabaritado, por mérito, de pele negra. O último foi Marilene Felinto, faz tempo demitida! Acho até, e logo me desculpo pelo achismo, que esteve ali porque amiga pessoal do enfant terrible da Al. Barão de Limeira.

Assim como as gentes de visão conservadoramente retrógrada pagas para escrever no jornal, não conheço um negro que tenha igualdade de condições para defender sua opinião sobre isso e aquilo, incluindo Joaquim Barbosa, a Teoria das Cordas ou o beijo gay na Globo, nas páginas da Folha.

Poderia-se desculpar Frias Filho e seu produto editorial apontando o mesmo procedimento contratual adotado por todos os demais grandes veículos da imprensa no Brasil. Isso, porém, não os absolve da responsabilidade de serem cúmplices.

3 NOTAS DE RODAPÉ:

  • 1) Já escrevi diretamente para o e-mail de OFF queixando-me disso, logo depois da cobertura da morte de Nelson Mandela.
  • 2) A propósito dos copiosos e paternalísticos comentários da Folha sobre
    Cineasta que diz amém a esse estado de coisas, Jeferson De?

    Cineasta que diz amém a esse estado de coisas, Jeferson De?

    aspectos do escravismo nos (evidentemente) Estados Unidos retratados no recém-vencedor do Oscar “12 anos de escravidão” e práticas racistas cobertas pela Folha, enviei o artigo aqui anexado para a seção de “Debates” e ainda para o caderno “Ilustrada”, no qual critico ainda a boçalidade do cineasta Jeferson De expressa em reportagem desse jornal.

  • 3) Como biógrafo de Milton Santos, que morreu escrevendo na Folha, acabo de encontrar em seus arquivos no IEB/USP correspondência dirigida a OFF em que se dirige a este como “meu conterrâneo”… Como assim? – perguntarei ao destinatário em breve.