Aneurisma na aorta, leio na imprensa, teria sido a causa mortis de Wanda Chase, descrita como das mais importantes “jornalistas negras” que atuaram nos recentes 35 anos na televisão da Bahia.

Ela, por si mesma, colocou nas artérias ao longo de seus quase 75 anos muitas substâncias venenosas contidas nos cigarros que fumou.

Dizer e escrever que foi das mais importantes “jornalistas negras”, como publicaram, a pretexto de render homenagens a ela, é menos um elogio que uma confissão das limitações de Wanda Chase como profissional.

Em sua atuação na emissora mais importante de TV, pertencente à família de Antônio Carlos Magalhães, ela ficou conhecida por ser uma espécie de “porta voz” de manifestações culturais de chamados “blocos afros” – principalmente Ilê Aiyê e Olodum, a que prestou assessoria de comunicação.

Por que o qualificativo “negra”? Por que o adjunto adverbial?

Isso não seria mais uma prova das restrições que se impôs, ou se lhe impuseram, enquanto jornalista? Por que louvar esse papel e só?

Falar de estética afro e de batuque, de turbantes e de festas, é fácil! É um filão “profissional” que “jornalistas negros” abraçam talvez por sobrevivência. Ou por puro comodismo.

Por que sua chefia e diretores nas emissoras de TV nas quais atuou não lhe permitiram avançar além disso? Cobrir temas de economia, política ou denunciar a violência crônica contra os negros?

Dar-lhe o lugar de âncora em seus telejornais, como as oportunidades de ascensão que fazem com as Jéssicas Senras da vida, projetando-a para a bancada do “Jornal Nacional”, coisa que nunca lhe ocorreu?

VIDA QUE SEGUE

Wanda morava em um apartamento na estrada do bairro de São Lázaro, endereço próximo à sede da TV Bahia em Salvador. Em algumas ocasiões, anos 90, nos frequentamos para troca de ideias profissionais. Houve um período que, se não me falha a memória, adotou um sobrinho menor para criar.

Se também não me falha a memória, ela me pareceu um período sinceramente atraída por um colega de trabalho que lhe fazia dupla de reportagem como câmera-man ou cabo-man (não sei ao certo). Nos anos em que cruzei com Wanda, aquele foi o tempo no qual vi seu coração envolvido em paixão por um namorado.

Não durou muito e um acidente (ou doença gravíssima) matou o sujeito. Vi Wanda entristecida, por detrás de seu sorriso. Amizades deveria ter algumas, mas desde então suspeito que seu coração permaneceu sem ninguém.

Era a primeira metade dos anos 2000. Lembro bem porque foi no final de 2003 que, por sua única decisão, brigou comigo – distanciando-se. Deixamos de nos falar em público e em privado.

Wanda me “cancelou”, diríamos hoje, em decorrência de um gravíssimo episódio sobre violência e racismo tornado público pela mídia soteropolitana em dezembro de 2003. Envolvia diretamente um pesquisador francês protegé da UFBA, Xavier Vatin, e Lino Almeida, militante negro dos mais importantes de sua geração.

Ela fez uma matéria especial sobre o entrevero para a TV Bahia, afiliada da Globo, onde trabalhou por 27 anos antes de ser demitida em outubro de 2015. O pesquisador francês, em entrevista para o alternativo Província da Bahia (nº 32), a acusou de favorecer a versão de Lino. Eu a entrevistei, ela replicou Vatin.

Contudo, depois quis que suas declarações não fossem publicadas, alegando que poderiam trazer prejuízo a seu trabalho na TV. Mantive-as na matéria, vez ser necessárias para o ponto de vista abraçado por Lino Almeida. Wanda depois de ler a reportagem na Província telefonou puta da vida para este escrevinhador, rompendo nossa relação.

Não mais atendia meus telefonemas. Paguei a uma floricultura para entregar a ela na redação da TV um bouquet de belas rosas com um cartão pedindo-lhe mil desculpas. Manteve-se irredutível.

Dois anos e meio depois, em julho de 2006, Wanda reaproximou-se. No meio da multidão que acorreu ao enterro de Lino Almeida no cemitério das Quintas dos Lázaros (ele morreu precocemente de câncer aos 48).

Com os olhos marejados, voltou-se para mim, enquanto o caixão de Lino era colocado numa gaveta, e me dirigiu, depois de tanto tempo, a palavra: “Você tinha razão”, ela disse. Fiquei calado, dando-lhe tão somente um rápido abraço.

SEMPRE GENEROSA COM TERCEIROS

Wanda Chase, que tanto ressaltou a negritude afro nagô, yorubá, ketu, angola, bantu, era evangélica da Igreja Batista desde sempre. Devota e seguidora de sua fé.

A última vez em que sentei para conversar com ela faz dois ou três meses. Caminhava apressado com obrigações pelo Shopping Lapa quando, sentada com uma amiga num café, levantou-se da cadeira ao me ver e interceptou-me.

Figura generosa, queria minha colaboração para ajudar uma pessoa que estava com problemas de saúde, precisando de uma campanha de arrecadação para tratamento. A pessoa era minha conhecida, antes de ser conhecida de Wanda há quase 30 anos.

Sim, Wanda Chase se envolveu com o drama de uma mulher com obesidade mórbida da qual nunca ouvira falar. Este escrevinhador foi levado ao cubículo da doente, que jazia com mais de 200 kilos numa cama em uma viela do Calabar, implorando ajuda para não morrer.

A primeira coisa que sobreveio foi telefonar para Wanda, narrar o drama e perguntar se ela poderia propor uma pauta. Wanda não apenas aprovou a pauta.

Na mesma semana foi ao Calabar e fez a matéria para um telejornal da TV Bahia. O trabalho jornalístico de Wanda repercutiu. Uma clínica privada ofereceu de graça o tratamento, a cirurgia bariátrica, e a mulher recuperou-se totalmente.

Repórter e socorrida tornaram-se quase íntimas, mantendo contatos constantes. Quase 30 anos depois, sem jamais ter deixado de acompanhar a recuperação daquela senhora, Wanda me encontra no Shopping para pedir que eu colabore no socorro de sua beneficiada, cujo tratamento mantinha-se em complicações.

Suspeito que seu coração bondoso deve ter agido dessa forma, desinteressada, com muitas outras pessoas…