A decisão do bilionário Jeff Bezos, proprietário do icônico jornal norte-americano The Washington Post, de estabelecer novas regras para as “colunas de opinião” do veículo que mantém com seus dólares, repercute.

Negativamente. Ao menos, no meio acadêmico dito “especializado” e na imprensa internacional de vieses supostamente “progressista”.

Bezos, CEO da Amazon, dono do Post

Aqui, Folha de S. Paulo, que se anuncia “pluralista”, já publicou até editorial “condenando” a medida. Como se liberdade total de opinar tivessem seus próprios colunistas e opinionistas. Tente, qualquer um que ali publica, emplacar artigo esmiuçando a intestina briga judicial entre os herdeiros da empresa.

A última vez que li alguma coisa, evidentemente em outra publicação, foi que o irmão que assumiu o espólio depois da morte do saudoso Otavio Frias Filho – com quem troquei argumentos conteudísticos – conseguiu, por ordem judicial, colocar agentes policiais na portaria para impedir, à força, o acesso ao prédio de sua irmã. Ela estava no comando do jornal por breve período depois do falecimento do outro irmão.

Nenhum articulista das empresas Globo, maior grupo nacional de mídias, ousou ir a fundo na notícia da delação do “doleiro dos doleiros” no Brasil, na qual constava que por anos lavou dinheiro supostamente para um dos filhos Marinhos, membro do comando-em chefe da TV Globo.

Contratado ou colaborador, quem publica na imprensa sabe dos limites. É clássica a frase atribuída a Assis Chateaubriand, maior magnata de cadeia de jornais, rádios e TVs brasileira, que teria sido questionado por um de seus jornalistas pelo fato do veto a um artigo. “Nos meus jornais quem opina sou eu! Se você quiser opinar, crie seu próprio jornal”.

Qualquer dono de empresa de mídia faz isso. Nem precisa ser empresa. Os donos da provinciana Facom (Faculdade de Comunicação) da UFBA, no decorrer de semestre letivo em 2006 deram um pé na bunda deste escrevinhador, à época responsável pelo jornal-laboratório de ensino a estudantes. Por conta de um artigo de opinião, “Ivo viu a uva“, ali publicado, que os irritou.

Jornalistas e opinionistas de A Tarde, em Salvador, têm liberdade de investigar e revelar o custo dos abrangentes interesses do mega-empresário baiano Carlos Suarez, seu atual patrão? A família ACM, que dispensa apresentação, é escrutinada pelo pessoal fosforescente das empresas multimídia que mantém sob a razão social Rede Bahia?

O Grupo Metrópole, dos Kertész, que mantém em sua folha de pagamentos articulistas maravilhados, alguns da UFBA, com isso tentando dourar a latrina sob sua base – desvio estimado em US$ 200 milhões pela Procuradoria Geral do Município depois que “dr. Mário” deixou a Prefeitura de Salvador -, me convidaria como colaborar fixo irremovível para dizer o que penso disso tudo?

Quem colabora nas empresas de Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, sabe por onde a banda toca em sua rede de comunicação. A mesma coisa vale para quaisquer outros veículos.

Jornalistas que servem a novas plataformas midiáticas, como Pública ou The Intercept, podem investigar e tornar público o fruto da investigação sobre quem financia, e com quanto, a “independência” que eles têm de investigar os outros? No caso de Intercept-Brasil, há uma “cláusula de confidencialidade” que proíbe divulgar essas informações. Se for dinheiro sujo que entra, deixa quieto!

VOZ DO DONO

Em fevereiro Bezos, que não é do ramo, mas é dono da Amazon, determinou, em memorando por e-mail para a equipe de redação do jornal. A partir de agora quem quiser continuar publicando textos como colunista e articulista de opinião tem que se basear na “defesa das liberdades individuais e no mercado livre”.

Consultado por Bezos, imediatamente o responsável pela editoria de opinião, jornalista David Shipley, decidiu renunciar ao posto. Disse aos colegas do jornal que se demitia após refletir “como poderia avançar da melhor maneira na profissão que ama”.

Katharine Graham, figura icônica da imprensa, que herdou do pai e comandou The Washington Post com coragem para desafiar Richard Nixon em série que levou à renúncia dele à Presidência dos Estados Unidos

Quem, liberal, é contra a “defesa das liberdades individuais”? Os caudilhos das nações de regimes autocráticos, onde quem pode migra, mesmo ilegalmente, para os Estados Unidos, país que desde a sua concepção prima pela defesa das liberdades individuais.

A defesa do “mercado livre” são outros quinhentos, eco do ideário quase romântico do Adam Smith de A riqueza das nações. Uma coisa é certa: somente há mercado livre se há indivíduos livres. A mentalidade escravocrata, que viceja no Brasil, é entrave aos riscos da liberdade.

Duas semanas depois, a 10 de março, foi a vez da editora-assistente e colunista Ruth Marcus, quase 20 anos de casa, também se demitir. Tomou a atitude depois de ter vetada a publicação de um texto no qual criticava as novas orientações de cima. O diretor-executivo do Washington Post, Will Lewis, britânico e “Sir“, que toca o dia a dia do jornal, foi quem ordenou não publicar.

Que isso tem de novo na longa história de publicação e circulação das ideias? Nada! Pastor da Igreja Católica, Martin Luther, século XVI, foi excomungado e ameaçado de morte pelo clero a seguir à máquina de imprimir em massa criada por Gutenberg décadas antes.

Não há um colunista de jornal na imprensa ocidental que seja mais independente para dizer o que quer do que um colunista da mídia anglo-saxônica – Estados Unidos e Reino Unido, onde se concebeu a liberdade de expressão no século XVII, à frente.

Em regimes autocráticos, à direita ou à esquerda do espectro ideológico, todas as opiniões publicadas estão submetidas ao crivo da plutocracia, que pode ser familiar, colegiada, ou do partido gestor. Quem ouse descumprir essa regra vai para a prisão, se não “desaparece”.

Fora da escola anglo-saxônica de jornalismo, a liberdade de imprensa é a liberdade do dono do veículo.