
Diferentemente de Elon Musk, Steve Job, Sigmund Freud e demais personalidades que mudam a compreensão do mundo, entrei já na quadra dos 60 sem nunca ter experimentado nenhum tipo de droga que altera a consciência. A não ser bebidas alcoólicas, moderadamente: nunca chamei Jesus de Jenário, tampouco confundi o guarda-roupas ou a geladeira com o mictório.
Seria essa decisão individual uma vantagem comparativa, ou não, em relação às pessoas que conheço, conheci, de quem ouço falar ou que passaram por mim, muitas delas competindo comigo no mercado de ideias e de militância sóciopolítica?
Para dizer a verdade, sequer jamais fumei tabaco ou maconha, injetei ou inalei cocaína ou qualquer psicotrópico para “ficar de boa”.
Oportunidades não faltaram ou faltam até hoje, na medida em que abracei área profissional favorecedora do contato permanente com a oferta de drogas que “fazem a cabeça”: o aparentemente fulgurante mundinho nas áreas de jornalismo, publicidade, criação artístico-cultural e docência.
A questão, a ser inclusive feita a Frida Kahlo: é possível ser original e criativo sem “dar um teco“?
Não mencionarei redações de jornais nas quais atuei. A experiência pessoal mais próxima com essas ofertas deu-se nos meus 20 e poucos anos.
Quando em posição de relativo destaque como redator publicitário – finalzinho dos anos 80 pros 90 – fui da equipe de marketing político da Propeg , das mais importantes agências de publicidade brasileira. Sem fazer esforço, porque convocado para o posto pelos donos da agência, Fernando Barros e Rodrigo Sá Menezes.
Na sala exclusiva e “blindada” da equipe de criação, em Recife ou Aracaju, o “pó branco” chegava à vontade, rolava solto, sem o custo de sair do nosso bolso.
Cocaína era o de menos. Espalhada em fileiras na ampla mesa ao redor da qual os subgênios das estratégias de campanha política viravam dias e noites. Gentes de renome no mercado nacional, algumas vindas de praças como Brasília, Rio (Rede Globo) e São Paulo.
Este escrevinhador, considerado um entre aqueles, jamais sequer provou. Os colegas, simpáticos, condescendiam, respeitando o “estreitismo” do redator publicitário mascote, como a mim alguns se referiam.
Talvez seja um problema grave esse de impor limites às minhas “viagens” mentais. Confesso que já perdi lindas e sedutoras mulheres, em bares e festas. Depois de se insinuarem, logo viraram as costas ao ser informadas da minha caretice.
Não, não poderia fornecer além da minha companhia, “aquilo” que elas queriam de um homem negro de “cabeça aberta”. Oriundo do mundo dos guetos da favela. De quem, por estereótipo, embora não rastarafi, se espera tenha facilidades de acesso a substâncias proibidas pelas leis “dos homens brancos” que estão no poder.
Uma vez, sozinho em Oslo, capital da Noruega, ou não sei se em Copenhague, Dinamarca, resolvi ir a uma balada num night club. Não demorou e me enturmei com uma rapaziada jovem, maioria garotas em flertes.
Isso foi outono de 2008, no rolê que dei de trem por países escandinavos, partindo de Berlin, onde residia em pós-doc. Maconha era tolerada.
Como havia proibição de fumar em ambientes fechados, o mercado substituiu o cigarro por um sachezinho da erva triturada que os jovens acomodavam entre as gengivas e os dentes. Aquilo se dissolvia no muco salival. Me ofereceram; saí pela tangente.

Minha posição não é moralista, mas a considero mais adequada que a de todos aqueles usuários no Brasil.
País que, ante as leis de mercado – demanda versus oferta = repressão ao tráfico de substâncias ilegais -, vê-se mergulhado numa guerra que tem cobrado dezenas de milhares de vítimas ano após ano.
Todos os usuários e usuárias dessas substâncias proibidas em lei sabem: estão alimentando essa guerra e esse genocídio. Na América Latina é redundante dizer.
Não adianta artistas, acadêmicos, influencers, lideranças políticas e “ativistas sociais” bradarem. Eles e elas são o combustível da miséria daqueles e daquelas pessoas, maioria nos guetos, que supostamente dizem defender como porta-vozes.
Por ter vindo desse lugar, nas redações e na Propeg sempre levei isto em conta: não vou ser cúmplice dessa guerra.
Como palestrante numa mesa redonda sobre “violência” organizada no Teatro Vila Velha pelo Bando de Teatro Olodum, sob iniciativa do ator Jorge Washington, questionei a plateia composta dessas pessoas “de bem”: Vocês, que mandam seus prepostos à periferia comprar maconha e cocaína, não se sentem com as mãos manchadas de sangue?
Por obvio, ninguém respondeu – gente estúpida e hipócrita! -, cantou Gil, ele mesmo nesse particular sendo uma dessa gente.
Até agora alerto meus filhos: a escolha é sua. Mas saibam, toda escolha tem suas consequências.
Levo em consideração isso, ao escolher ou ser escolhido pelas belíssimas e inteligentes mães de cada um(a) dela(e)s, embora nossa permanência não esteja assegurada por tal opção.
Parceiras dependentes de drogas – ou de religiões – não importa quão atraentes e fulgurosas sejam. Posso até passar uma ou duas noites, se me quiserem, eu que não sou nenhum rei da cocada-preta. No momento seguinte prefiro estar só. Até pelo custo, material e emocional, de bancar os vícios.
É foda querer enfrentar o mundo filho-da-puta de “cara limpa”. Sem abrir “as portas da percepção”, experimentar mescalina e outros libertadores da estreiteza cerebral humana. Enfrentar, pegar e domar à unha “a fera” que se encontra dentro e fora de nós.
Sou mesmo um babaca, admito, e não um Elon Musk ou Djamila Ribeiro. Como babaca, solitário e sem religião morrerei devendo isso à humanidade.