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(Este texto é dedicado à amiga Maria Margarida Marques, professora da Universidade Nova de Lisboa).

Cheguei à “capital do meio do mundo” segunda-feira. Fico até este domingo, 28.

Por Macapá passa a linha do Equador. Há um marco simbólico representativo dos dois hemisférios do planeta.

É possível, com um pé em um e outro pé em outro, você estar ao mesmo tempo no hemisfério sul e no hemisfério norte do globo terrestre.

Estou a convite da Universidade Federal do Amapá, estado de 800 mil habitantes onde se localiza o limite geográfico norte do Brasil, rio Oiapoque. Das fronteiras brasileiras com a União Europeia (Guiana Francesa e Suriname, holandês).

Vim acompanhar, ver in loco a histórica tradição cultural que há séculos é festejada no município de Mazagão, 45 minutos a sudoeste de Macapá. Evoca-se Tiago, o guerreiro anônimo cristão que combateu os islâmicos mouros, tornando-se depois São Tiago.

Gleidson Salheb, professor da rede de ensino amapaense, está produzindo sobre o assunto – memória, história e tradição -, sua tese de doutorado no Poscultura/UFBA. Ele teve a iniciativa de me chamar, como seu orientador de pesquisa acadêmica.

Pesquisador Gleidson Salheb (esq.) e o professor Marcos Vinícius Reis, da UNIFAP, anfitriões, no marco da linha do Equador em Macapá entre os dois hemisférios

Estima-se a circulação de entre 15 e 20 mil pessoas pelos festejos, que atravessam dia e noite, sem interrupção, por dezesseis dias.

É o evento de maior apelo turístico-cultural do estado. Com impacto econômico, consequentemente. Comerciantes, prestadores de serviço e ambulantes, do local e de alhures, estão todos de olho.

Nesse período do ano a sede político-administrativa do Amapá é transferida para o distrito de Mazagão Velho, à beira de um dos afluentes do rio Amazonas. Governador, secretários e sua trupe aí se instalam.

Este escrevinhador foi levado ao distrito, já todo enfeitado. Aspectos religiosos e profanos se cofundem. A capela de Mazagão Velho, epicentro das atividades, está aberta 24 horas, com suas paredes e dezenas de imagens de santos católicos bem paramentados.

Ruelas e praças coloridas, caixas de sons tocando. Palcos, salões de bailes e barracas de bebidas, comidas e diversões. Faixas e balões propagandísticos ressaltam figuras carimbadas do cenário político-partidário nacional.

No distrito de Mazagão Velho, bandeiras erguidas: a de Portugal entre as nossas outras

A data culminante dos festejos é 25 de julho. Senadores da República influentes, como Davi Alcolumbre e Randolfe Rodrigues, o ministro de Integração Nacional de Lula, ex-governador do Amapá, e toda a elite política, da situação e da oposição, marcam pessoalmente presença.

No sábado, aproveitando a ocasião, fora da programação da festa laico-religiosa, o prefeito de Macapá está oferecendo de graça um show do grupo pagodeiro baiano ÉoTchan! Não se comenta outra coisa.

É período eleitoral no Brasil. Apelidado de “prefeitão”, bem cotado para ser reeleito, é de grupo político oposto ao do governador. Este estaria mal na fita dos eleitores para cacifar seu candidato. Ainda ontem um Alcolumbre, irmão do senador, ex-presidente e novamente cotado à presidência do Senado, anunciou desistência de disputar a prefeitura – diante da popularidade do atual prefeito.

Lulismo e bolsonarismo estão pau a pau, meio a meio entre o eleitorado amapaense. Vale tudo, até mandar segurar “o tchan” na floresta amazônica.

  • MEMÓRIA, HISTÓRIA, TRADIÇÃO

Em meados do século XVIII os colonizadores instalaram, trazida em embarcações, uma população de Portugal remanescente das batalhas portuguesas contra os mouros do Marrocos, país do norte africano.

Portugal ocupara o Marrocos em 1502, tomando a cidade portuária de El Jadida, rebatizando-a de Mazagão. Construíram uma fortaleza de defesa contra os ataques dos exércitos dos sultanatos.

Em 1769 o sultão do Marrocos conseguiu à força expulsar os portugueses. Marquês de Pombal, então primeiro ministro, decidiu transferir os expulsos para a selva amazônica, criando assim a Nova Mazagão.

Aqui, no meio da floresta, os colonos portugueses de origem marroquina – considerável parte mestiçada – ergueram sua nova cidade, com muros de defesa de ataques indígenas. Ruínas não engolidas pela mata ainda podem ser visitadas num sítio arqueológico.

Fortes traços de tradições africanas estão presentes: nas representações dramáticas das lutas entre mouros e cristãos, nas encenações das batalhas, nas procissões com tambores e batuques que atravessam tardes e noites nos dias dos festejos.

Musicalidades e danças tradicionais, como o “marabaixo”, hoje grandemente representadas nessa parte amazônica. São provas vivas do amálgama de etnias, culturas e fibra dos remanescentes de nossos antepassados.