Professora Fabíola Greve

Quando em 2007 conheci Fabíola Greve, que se tornou depois a principal assessora em tecnologia informática da Universidade Federal da Bahia (UFBA) na gestão de João Carlos Salles na Reitoria, de 2014 a 2022, ela já era uma das poucas mulheres cientistas no Brasil com conhecimento exemplar em computação de dados de sistemas distribuídos.

Com o cargo de destaque na Reitoria, foi uma das profissionais que liderou a integração da UFBA ao mundo digital, transferindo todos os processos administrativos-acadêmicos, de cabo a rabo, para o espaço virtual. Um baita trabalho, que ficará para sempre.

Àquele tempo, quando veio até mim, estava destroçada moralmente. Era o que me confidenciou nos diversos, constantes e cada vez mais particulares momentos em que dividimos nossas angústias mútuas com o esquema de assédios morais na instituição, perpetrado por alguns colegas universitários em cargos de comando e de chefia.

Já era do conhecimento público que eu acionava minha testosterona, reagia sem medo aos canalhas meus assediadores institucionais. Até mesmo os coloquei a todos na barra da Justiça Federal por assédio e danos morais, incluindo então reitora da UFBA, diretor, vice-diretor, chefe de departamento da Facom – até hoje réus em ação que tramita em Tribunal de segunda instância em Brasília.

Nessas circunstâncias a jovem professora Fabíola Greve chegou até mim.

Em busca de alguma orientação. Sobre como administrar os assédios que estaria enfrentando por ter ousado, no Departamento de Computação do Instituto de Matemática, desafiar a espécie de semideus que à época pontificava no LaSiD (Laboratório de Sistemas Distribuídos) – “ilha de excelência” em TI (Tecnologia de Informação) no território nacional, com projeção no exterior do país.

Seu desafeto, um pesquisador de ponta respeitadíssimo, laureado nesse campo. Ou por sentir-se ameaçado pela competência de Fabíola Pereira Greve, ou pelo estilo irascível, insubmisso dela, tinha mais poder institucional à ocasião. Em decorrência, não se furtava de demonstrar força, obstruindo-a, seja nas possibilidades de iniciativas que se abriam, seja nas obrigatórias reuniões departamentais.

Dessas, ela saía arrasada. Não foram poucas vezes que saímos para tentar o reequilíbrio emocional depois do expediente de trabalho tóxico, extenuante.  Um drinque, uma balada, comer um “feijão de corrute” no Monte Belém, na Vasco da Gama, ou fim de linha do Engenho Velho de Brotas. Ela que era filha de um ex-prefeito do município de Paulo Afonso, norte da Bahia, que ao pai dedica um busto numa das vias de entrada da cidade.

Eu de carona em seu Ford Escort, em “quebradas” ditas como “cavernosas” durante a noite ou madrugada, nas quais dificilmente gente do naipe acadêmico dela se “rebaixaria” frequentar, rindo e falando a língua desse povo “de baixo”. Entrávamos e saíamos e ainda hoje, mesmo depois de ela ascender nos gabinetes do poder, quando retorno a esses lugares as pessoas me perguntam “cadê aquela professora?”.

Fabíola Greve, cuja morte prematura aos 57 anos a 15 deste dezembro deve ter surpreendido a muitos, como a este seu amigo, tinha brilho e inteligência próprios. Mãe de duas adolescentes – que criava separada do pai – quando a conheci, somente a essas parecia amar mais que o campo de ciências da computação, no qual provou-se insuperável.

Nossas trocas acadêmicas incluíam sugestões sobre temas de pós-doutorado. Quando parti por em meados de 2008 para a Freie Universität Berlin, na Alemanha, ela começou a discutir seu projeto de posdoc em universidade na região de Reenes, noroeste da França, país que ela adorava e ao qual sempre recorria em projetos de intercâmbios científicos. Esse período de um ano fora, distante das atribulações ordinárias no ambiente de trabalho desgastante, de gente mesquinha com que se é obrigado a conviver cotidianamente, ela vislumbrou também como desopilante.

Então, quando podia ia e vinha da França como se toma um sorvete na Ribeira. Me segredou depois estar enamorada por certo cavalheiro francês. Falava de seus périplos e da culinária que achava maravilhosa de lugares como Córsega. Revigorou-se, minha Fabíola. Colocou no perfil dela na internet “Fly Me To The Moon” (Faça-me voar à lua), título de música célebre.

Seus enfrentamentos no IM se arrefeceram depois de criada a Universidade Federal do Sul da Bahia, quando Naomar Almeida, ali reitor pro-tempore, convidou e deu carta banca para o macho-alfa do LaSiD replicar na UFSB, para onde foi transferido, o modelo da UFBA. O Departamento de Computação cresceu e tornou-se o atual Instituto de Computação da UFBA. Fabíola morre como sua diretora.

  • Montando nova morada

Regressei de mala e cuia do posdoc em Berlin, escrevendo a ela que precisava de seu apoio para reinstalar-me em Salvador. Coincidentemente ela estava trocando de endereço, com as filhas já em fase de ingresso em curso superior. Mudou-se de apartamento do Horto Florestal para outro no Corredor da Vitória. Disse que na mudança iria desfazer-se de alguns móveis, ofertando-me escolha.

Se minha colega de gabinete da Facom, professora Simone Bortoliero, me doou uma geladeira antiga; se o jornalista Celson Moura tirou em seu cartão de crédito, que depois paguei, um fogão simples de quatro bocas, Fabíola Greve me fez doações mais duráveis. Assim, remontei nova moradia de rapaz solteiro.

Desde então durmo na mesma cama de madeira de lei que Fabíola me deu, de casal, cabeceira rígida. Uma cômoda também de madeira com quatro gavetas, com tampo de mármore, é utilizada num dos escritórios da casa onde abrigo-me com a família que constituí.

Uma mesinha com pés de metal rígido, tamponada por mármore colorido e vitrificado, junto a duas cadeiras também de metal com recosto e assento trançado, enfeita parte de nossa varanda dos fundos…

Falei disso à minha filha que perguntou no domingo de manhã porque eu estava com cara triste, da gratidão que temos com Fabíola Greve – e não apenas por esses utensílios.

A derradeira vez que estive com essa minha querida amiga foi há dois/três anos, na saída de um show no Teatro Castro Alves, acho que logo depois da flexibilização da Covid-19.

Como nos tornamos vizinhos (ela fez-se presente à “festa de casa nova”/chá de fraldas que fizemos em junho de 2013), os três viemos andando e papeando pela calçada do Corredor da Vitória. Como o endereço dela era antes do nosso, nos despedimos prometendo marcar “alguma coisa”. Não deu mais…